Por que tão simples?

O simples está na agenda. Não da setting, mas na daquilo que se pode chamar de “espírito do tempo”. Ou, para ser mais precisa, está na ponta da cadeia de influências.

A simplicidade é uma ideia ampla, eu sei. Mas se trocarmos pelos conceitos de “facilidade”, “facilitação”, “modéstia”, “honestidade” (“x” é “honesto”!), ”descomplicação”, “frugalidade” pode soar melhor, não é mesmo? E dá para elencar uma série de fatos, dos mais corriqueiros, como conversas de bar e posts de amigos nas mídias sociais, a livros, matérias ou mesmo teses sobre o assunto. Pessoas do mundo todo estão cada vez mais clamando por menos e não querendo que isto signifique mais.

Pois é, a ideia é esta mesma: MENOS é MENOS!
Menos consumo, menos gastos energéticos, menos estresse, menos qualquer coisa. Aliás, menos coisas… Menos necessidades. E assim abandona-se a confusão na relação causa-efeito em que se dizia MAIS com o intuito de se dizer MELHOR (agora substitua todos os “menos” por “melhor” e veja que ninguém quer ser xiita com isso).

O que se quer é pura e simplesmente uma qualidade de vida a partir do aqui e agora, com pitadas de um certo hedonismo frugal ( e por que não?), mas com muita inteligência também.

Para começar a elencar os motivos e o que os tornam, ao meu ver, tão apropriados, vamos partir da lógica de rede e a noção de código aberto, de que tenho falado tanto por aqui nos outros posts. Pois, tudo aquilo que é simples, leve, fácil, tem maiores chances de se replicar e, assim, se proliferar em progressão geométrica. Daí podemos entender como a noção de facilidade e, sobretudo, a de facilitação contagiam a nossa cultura de fluxo. Milhares de apps, tutoriais, plataformas até a linguagem intuitiva e o “flat design” derivam deste princípio.

À propósito, em se tratando de linguagens, por favor, esqueçam o CLEAN! Ele faz parte do antigo combo “Menos é Mais” de que acabei de falar. Reparem, o clean sempre vem à reboque, pra quem diz esta máxima…

Veneninho à parte, digo isto porque, por mais que a estética seja fácil ou intuitiva, ela deixou de ser limpa, e passou a ser muito mais afetiva, amigável ou confortável visual ou emocionalmente. Trazendo, muitas vezes, valores, como o labor ou a imperfeição. Sendo assim colorida, rústica, nostálgica e até mesmo suja, com ruídos, bugs ou interferências.

Outro sentido agudo da simplicidade está também em uma macro-tendência a que nós, analistas, chamamos de pós-consumo. Dá para se ter uma boa ideia deste estilo de vida recorrendo à leitura sobre Simplicidade Voluntária, que, convenhamos, não é de hoje, mas, de poucos anos para cá já é possível vê-la a olhos nus. Este sentido mais frugal do que se tem como simples, pode ser uma força motriz para buscas maiores, sobretudo para os que estão trilhando caminhos existenciais, mas também para os que racionalizaram sua concepção de consumo (lembrando que uma coisa não exclui a outra em todos os casos aqui citados). Dai temos um retorno a hábitos do passado, que vão para além do consumo de itens de segunda mão ou vintage, e atingem ideias de compartilhamento, de arquivos digitalizados ou em nuvem, de crowdfunding, crowdsourcing, crowd-everything (já que, para eles, a “multidão” faz-se cada vez mais presente), de maior convivência em espaços públicos e de maior valor à contemplação. São aqueles que entendem o tempo como a sua grande riqueza e que subvertem a frase “tempo é dinheiro” para “dinheiro é tempo” (“e eu sou dono dele”… mais uma vez o tal do empoderamento).

E, por fim, ressalto a importância das questões macro-econômicas, infra-estruturais, como sempre. Economias antes hegemônicas estão em crise financeira e países emergentes, como o nosso, estão vivendo um choque de culturas. Em suma: poderes invertidos (ou subvertidos!), tempos de insegurança e turbulência. Neste contexto é que me atrevo a levantar o meu maior questionamento diante de todo este movimento, que, ao meu ver, materializa tanto a mudança de paradigma que o mundo está vivendo. Penso: o que mais impulsionaria esta busca por simplicidade, para além dos motivos financeiros, espirituais ou, até mesmo, modismos? E é aqui que mora uma hipótese atrevida, pois quero sublinhar o embate silencioso que está havendo entre duas classes médias brasileiras: a média que nasceu média e a que se tornou média com o poder de compra. Somadas, dão um contingente gigantesco, mas, na prática, mostram-se imiscíveis. Um psicanalista poderia chamar isto de “Narcisismo da Pequena Diferença”, que seria algo como uma enterna briga entre Fla e Flu entre aqueles que, pela mínima diferença, não querem se reconhecer no outro. Então, por esta via de raciocínio, esta busca pelo simplório poderia ser, também, uma fuga da classe média tradicional aos anseios da “nova classe”, que a mimetiza.

Antes de se tentar extrair uma conclusão, é sempre importante se ter em vista, ao se analisar uma tendência, que há a cultura e a contra-cultura. (Já que falei em infra-estrutura, por que não citar a tese e a antí-tese?) Pois bem, o que quero dizer com isso é que, ao passo em que há uma crescente cultura nouveau riche, em tempos de camarote, ostentação e facilidade de crédito, há também a saída à francesa, ou o blefe natural de quem “tem cultura”. É neste ponto em que mora minha indagação, mesmo ao considerar todos os demais pontos levantados. Seria mérito exclusivamente do “despertar da consciência” e da lógica do coletividade este ímpeto em se refugiar naquilo que é justamente a noção mais abstrata de luxo, que são a “poesia”, o “protagonismo”, enfim, tudo aquilo que pertence ao “conhecimento” e ao “discernimento” e que não podem ser parcelados em infinitas vezes em um cartão de crédito?

Fico com o palpite de que as contradições é que geram o movimento e de que tudo contém seu oposto. Por isso, mesmo que haja esta faceta narcísica, tamanha descoberta não deve ser invalidada. Assim como penso que o próprio ímpeto consumista de todos os movimentos que ostentam uma nova classe social não tiram o mérito da conquista de uma identidade. Não há coerência, mas sim camadas entre aspirações e convicções. Somos humanos, não é mesmo? No entanto, se uma coisa causa a outra é uma relação entre o ovo e a galinha da qual me esquivo a tentar responder. Realmente acredito que não há conclusões neste complexo e fascinante caldo cultural, mas podemos nos orientar por seus vetores. Mas, uma dica: acostume-se! Porque começo, meio e fim não fazem mais parte desta nova (des)ordem!

Receba nossos posts GRÁTIS!
Deixe um comentário

This website uses cookies to improve your experience. We'll assume you're ok with this, but you can opt-out if you wish. Accept Read More