O Atirador de Alvos

celeiro

Não atirava balas no alvo. Atirava alvo nas balas.

O velho fazendeiro fazia sua fama pintando alvos na parede do seu celeiro, DEPOIS que dava os tiros.
Escolhia o lugar com mais buracos e pintava alvos lisonjeiros à sua pontaria. Era uma ótima maneira de manter os bandidos afastados. Escolhia os “resultados mais favoráveis à sua causa” e assim estampava alí na parede, a olhos vistos e sem qualquer sombra de dúvida, sua eficiência como um exímio atirador.

Realmente era um atirador talentoso. Mas um atirador de alvos, não de balas de revólver.

Essa é a história por trás da falácia do “Atirador do Texas”, uma roubada no jogo da argumentação que usa apenas os dados favoráveis a uma causa qualquer, ignorando o resto. O diferente fica na sombra, o similar fica na luz. Ou no caso, dentro do alvo.

ATIRANDO ALVOS NAS SUAS BUSCAS

A internet é uma enorme parede de celeiro, cheia de buracos de bala esperando por alvos.
Se você tem um alvo para fazer brilhar, sempre existirão buracos de balas favoráveis, esperando por eles.

Escrever no Google “bacon faz bem” ou “bacon faz mal”, dá quase na mesma numericamente falando. Vai retornar resultados favoráveis para os dois lados.

Não importa a sua hipótese, a sua causa. Sempre haverá material de sobra na internet para comprová-la.

JESUS WAS AN ALIEN (39.200.000 resultados)
VACCINES ARE BAD (24.700.000 resultados)
MALAYSIA ABDUCTED (2.620.000 resultados)
PAUL IS DEAD (270.000 resultados)

Buscas usam afirmações. Não existem perguntas. A internet ignora os pontos de interrogação porque procura por palavras-chave e não por respostas. E por isso, pesquisar na internet é a coisa mais fácil e mais difícil do mundo, ao mesmo tempo. Quem tem filho pequeno conhece a dinâmica da pesquisa de casa: se satisfazem com os primeiros resultados. E ninguém ensina COMO fazer uma pesquisa.
É a abundância favorável. Disponibilidade incondicional de argumentos à disposição da sua causa.

ATIRANDO ALVOS NAS SUAS REDES SOCIAIS

Mas não é só nas buscas que atiramos alvos. As redes sociais são ainda mais evoluídas porque atiramos ALVOS MAGNÉTICOS que atraem só as balas favoráveis. Afinal, por que você acha que seguidores têm esse nome? São amigos, ou pelo menos pensam parecido, admiram nossos alvos e estão loucos para cravá-los com likes. Likes procuram alvos como mísseis teleguiados.

Claro, sempre foi assim, desde que o mundo é mundo.
Nos cercamos dos likes dos alikes.
Só que com a internet esse apoio ganha massa crítica, escala, e hipóteses deixam de ser opiniões e começam a querer virar verdades absolutas.

O QUE VAI ACONTECER COM O PASSAR DO TEMPO?

Depois de ficar atirando alvos sobre buracos de bala e alvos que atraem bala por alguns anos, o que será que acontece com nosso senso crítico, com a nossa razão e critério?

Será que nosso cérebro vai começa a pensar “caramba, acho que somos bom de mira mesmo”, e lentamente vamos esquecer da condição favorável dos nossos tiros disparados em condições ideais de temperatura e pressão? Vamos começar a acreditar mais em tudo que disparamos mesmo?

Será que vamos nos acostumar com apresentações endossadas (e adoçadas!) artificialmente, feita para platéias fáceis?

Será que essa abundância e disponibilidade de qualquer tipo de dados vai nos fazer optar por atirar cada vez mais alvos do que balas de verdade?

Sei que esse raciocínio todo traz um tom de crítica, mas não é essa a intenção deste post. Não é bronca. É, como diria meu irmão, um “presta-atenção”. Não é questão isolada, de alguns poucos ou algum desvio moral. É um fenômeno coletivo, é comportamental. Comportamento esse que já está amplamente difundido e sendo devidamente embutido na geração que vem por aí no lugar da nossa.

Será que vamos gastar toda nossa energia agrupando os nossos iguais do que buscando as verdades? Será que temos a humildade suficiente para mudar de ideia na frente de milhões de seguidores?

5 COISAS QUE AJUDAM

01. Faça sua pesquisa favorecendo e desfavorecendo sua causa. Você vai achar suporte para as duas coisas, saiba confrontá-las. Lembre-se: a internet (redes inclusas) não respondem, simplesmente disponibilizam. Quem responde é você, através do conjunto do que você pesquisou.

02. Ensine o 01 para crianças.

03. Pelo amor de Deus, aprenda a contra-argumentar. Não seja mais um chato grosseirão raso e mal-criado, que defende pontos de vistas contrários como se fosse o seu time de futebol, só com indignação e sem nenhuma elaboração. Aprenda a fina arte de discordar com elegância, com recheio. Chega de ficar apelando e xingando o tempo todo. Tem que ser assim: (1) Ideias vão para mesa. E aí é (2) seguir a regra do ping-pong: não vale dar bolada direta na outra pessoa, precisa sempre pingar na mesa antes.

04. Precisamos urgentemente desadjetivar, se é que existe a palavra. Chega de “gênio”, “foda”, “coisa mais maravilhosa do mundo” – ou – “péssimo”, “que coisa imbecil”, “vai estudar” para absolutamente toda e qualquer coisinha. Guarde o 10 para o duplo twist carpado. Os atores de teatro, por exemplo, gente como a Fernanda Montenegro e o Antônio Fagundes, estão querendo promover uma campanha para pedir para parar de aplaudir em pé todo e qualquer espetáculo. Desfeita? Claro que não! É salvar o gesto.

05. Em algumas votações que envolvem jurados – esportivos ou em tribunais – é comum se eliminar os votos das extremidades alta e baixa e usar os outros. É uma boa estratégia para enxergar melhor aquela reação polêmica que você gerou ou que faz parte. Extremos trazem insights mas as médias costumam ser um feedback mais realista.

Enfim, são apenas alguns truques para não cair na tentação de atirar alvos. Saber dessa possibilidade já é meio caminho andado.

Continue dando tiros do jeito certo. O alvo pode não ficar tão impressionante. Mas pelo menos é de verdade. Inclusive, a mosca.

Receba nossos posts GRÁTIS!
Mostrar comentários (1)

This website uses cookies to improve your experience. We'll assume you're ok with this, but you can opt-out if you wish. Accept Read More