De olhos vendados (e mãos resguardadas)

pathtesta2

(post enviado pela leitora Karen Rozenbaum)

Crônica sobre a palestra “Os sentidos como ferramenta de percepção e pesquisa”, do Festival Path

Vinte minutos na fila para garantir o lugar. Com tanta gente interessante ao redor, porque não puxar papo com o coleguinha da frente ou atrás de mim? Que sorte. Tive a oportunidade de escutar do que se tratavam as palestras que elas mais gostaram.

A fila começa a andar. As meninas do Ateliê no escuro estão vendando as pessoas com uma faixa preta de pano nos olhos. Ei, falta eu! Seguro no ombro da moça da frente. Que medo de tropeçar. Vamos caminhando bem devagarinho.

Entro na sala e me posicionam. No meio de 2, 3, 4 pessoas? Não sei. Mas começo a sentir a respiração de cada uma. O Diego, a Janaína e a Maria se apresentam. As meninas já tinha visto lá fora. O Diogo, do MobInc, não. “E aí, beleza galera?”. Todo animado, a sala gargalha. Adorei. Deu uma descontraída.

O exercício começa. “Respirem fundo. Se espreguicem. Agora vamos dar uma comida para vocês experimentarem.” Expressões de surpresa no ar. Que frio na barriga! “Fiquem tranquilos, é gostoso.” Rimos. Veio um gosto doce de infância na boca. Hum, pensei. Mas logo aquele azedo da laranja. Ou será que era uma tangerina mais ácida? A dúvida ficou.

“Dêem as mãos para mais duas pessoas pertinho de vocês. Formem trios.” Peguei a mão na minha frente. E, de repente, me senti super segura. Não pelo fato de estar de mãos dadas. Mas pelo aperto dele. Era gostoso. Grande, forte, seguro. Tem sensação mais deliciosa do que se sentir protegida? O mais curioso é que não sabia quem era ele. Como era? O que fazia? Como se chamava? Tive vontade de não largar mais. E não larguei. Até o final do exercício.

Uma das pessoas do trio deveria se voluntariar para tirar a venda dos olhos. (Eu não, pensei. Está tão bom aqui, me sinto bem com esse aperto.). Quase que escutando meu pensamento, o outro menino se voluntariou e desvendou seus olhos. Ufa. Minha mão continuava guardada naquele cantinho bom.

Agora era a etapa seguinte. Ele, que enxergava, nos guiaria para fora da sala para entrevistar um desconhecido. Quem é você? Só não vale comentar sobre suas características físicas, ok? O homem respondeu com voz carismática. Achei que ele devia ter uma cara simpática. Imaginei o esteriótipo de um roqueiro barbudo enquanto ele falava. Quando terminou, nos juntamos para tirar uma foto: nós dois, de olhos vendados, e o entrevistado não. Ao nos abraçar para a pose, percebi que o que eu tinha pensado sobre o entrevistado poderia estar errado. Mas tinha certeza que, pelo menos seu rosto, deveria ter uma expressão de ‘o cara é gente boa’.

Voltamos. Aguardamos todos os outros trios chegarem. Finalmente: “Podem tirar as vendas, pessoal!”. Olhei para o homem que amei por alguns segundos por me resguardar entre suas mãos. Era como eu o tinha imaginado. Melhor, acho. O outro menino também era parecido. Louco isso, né? Como através da voz, do toque, do calor do corpo, a gente consegue (ou não) ter uma visão das pessoas…

Daí, discutimos nossas percepções sobre os exercícios. O que era a comida? Tamarindo. Com uma folha de hortelã e laranja. Caracas! E como era o homem que tínhamos entrevistado? Diferente do que esteriotipei no meu primeiro pensamento. Mas, com aquele rosto amigável que sabia que iria ter.

De olhos desvendados, agora enxergávamos. O todo.

Diogo nos contou de algumas pesquisas que ele fez. “Temos que entrar em uma pesquisa com uma página em branco”. Temos que quebrar nossos pensamentos pré-estabelecidos. Os esteriótipos. Nossos pré-conceitos. E é bem isso mesmo. Pré. Lindas palavras. Trabalho maravilhoso que você faz.

Saí sensibilizada. Emocionada. Alegre. Apaixonada. Quero mais disso aí. Quero que todo mundo tenha mais disso aí.

O Update or Die é apoiador cultural e de mídia do Festival Path e a nossa cobertura tem o apoio da cerveja SOL.

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