Conto: “Eles são feitos de carne”

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(por Terry Bisson, escritor. 1990)

 

– Eles são feitos de carne.

– Como assim?

– Carne. São de carne.

– Carne??

– Pois é. Pegamos vários, em diferentes partes do planeta, trouxemos para nossas naves e fizemos todos os testes. São todos de carne.

– Impossível. E os sinais de rádio, as mensagens para as estrelas?

– Eles se comunicam por ondas de rádio, mas os sinais não vêm deles. Vêm de máquinas.

– E quem faz as máquinas? É com esses que devemos fazer contato.

– Eles fazem as máquinas. É o que eu tô tentando te explicar. É a carne que faz as máquinas.

– Isso é ridículo. Como carne pode fazer máquina? Você tá querendo que eu acredite em uma carne… senciente, capaz de sentir coisas?

– Não tô pedindo, tô afirmando. Essas criaturas são a única raça senciente naquele setor e eles são feitos de carne.

– Hmmm, então talvez sejam como os Orfolei? Aqueles seres inteligente feitos de carbono que passam apenas por um estágio em que são carne.

– Não. Eles nascem de carne e morrem de carne. Acompanhamos vidas inteiras, o que na verdade nem é tanto tempo assim. Aliás, sabe qual é o tempo de vida da carne?

– Humpf, dispenso… Já sei: pode ser que só um pedaço deles seja de carne. Tipo os Weddilei: cabeça de carne, com um cérebro de plasma de elétrons dentro.

– Não. Pensamos nisso também, já que eles realmente tem cabeça de carne, como os Weddilei. Mas é o que eu disse, fizemos todos os testes. Eles são feitos inteirinhos de carne.

– E não têm cérebro?

– Pior que têm. E pasme: o cérebro deles também é de carne! É isso que eu tô tentando te dizer.

– Mas… como isso funciona? Como eles pensam?

– Você não tá entendendo, né? Ou não tá querendo acreditar no que estou falando. O cérebro deles pensa. A carne.

– Pô…carne que pensa!? Você tá me pedindo pra acreditar em uma carne que pensa!

– Sim, carne que pensa! Carne consciente! Carne que ama. Carne que sonha. Carne que faz tudo! Tá endendendo agora ou quer que eu desenhe?

– Tá, tá, tá… entendi, você não tá me sacaneando. Eles são mesmo feitos de carne.

– Ufa! Até que em fim! É isso aí, feitos de carne. E estão tentado fazer contato a mais de cem anos. Cem anos deles, claro.

– Caramba. E o que essa carne toda quer?

– Bom, primeiro, acho que querem falar conosco. Depois, imagino que eles queiram explorar o Universo, encontrar outras formas de vida, trocar conhecimentos. O de sempre.

– Então a gente vai ter que falar com uns pedaços de carne.

– Pois é. É isso que eles falam nas mensagens, tipo “Oi. Tem alguém aí? Tem alguém em casa?”. Aquela coisa toda.

– Ah, então eles falam inclusive? Usam palavras, formulam ideias, raciocínios?

– Ah, sim. Fazem tudo isso com a carne deles.

– Mas você falou que mandavam sinais por rádio.

– Sim, mas que tipo de sinais você acha que eles emitem por rádio? É som. Som de carne. Sabe quando você bate dois pedaços de carne, sabe aquele barulho que faz? Eles falam assim, batendo diferentes partes de carne, umas contra as outras. Eles até conseguem cantar, pressionam ar dentro das carnes.

– Cacete! Carne que canta. Isso é demais pra mim. E o que acha que devemos fazer?

– Quer a opinião oficial ou a não-oficial?

– As duas.

– Oficialmente acho que temos que fazer contato e acolher toda e qualquer forma de vida nesse quadrante do Universo, sem preconceito, medo ou  favorecimento. Agora… não-oficialmente… eu acho que a gente deveria apagar os registros e esquecer essa história toda.

– Pode crer, era o que eu queria ouvir.

– É meio cruel, mas tudo tem limite. Afinal, quem é que quer ficar lá, fazendo contato com uns pedaços de carne?

– Concordo 100%. Já pensou como seria? “E aí, carne, beleza?”. Não ia dar certo. Aliás, de quantos planetas estamos falando mesmo?

– Só um. Eles conseguem viajar para outros planetas usando uns containers de carne , mas só conseguem habitar o deles mesmo. E só viajam pela dimensão espacial C, o que obviamente os limita à velocidade da luz e reduz a quase a zero qualquer chance de contato.

– Então a gente pode fingir pra eles que não tem mais ninguém no Universo.

– Exato.

– Sacanagem. Mas é como você disse, quem vai quer ficar de papinho com uns pedaços de carne? Mas e os que vocês abduziram e estiveram a bordo das nossas naves? Será que eles vão esquecer de tudo?

– Vão sim, mesmo porque, se começarem a falar os outros vão achar que são uns drogados. A gente abriu a cabeça deles, mexeu lá na carne de cima… eles vão pensar que foi tudo um sonho.

– Rá! Sonho de carne! Viramos sonho de carne. Mas é bem plausível, vão achar que foi isso.

– E aí a gente marca esse setor inteiro como desocupado.

– Ótimo. Caso encerrado, oficial e não-oficialmente. Algum outro? Algo interessante por esses lados da galáxia?

– Ah, sim, tem uma raça inteligente um tanto tímida, feita de núcleos de hidrogênio, numa estrela de classe nove, na zona G445. Fizeram contato há duas rotações galácticas, também querendo ficar amigo.

– Esse pessoal adora tentar fazer contato.

– Ah… claro né? Já pensou como seria solitário e insuportável se não existisse mais ninguém no universo?

 

[hr]

O texto acima é uma tradução livre. O original, em inglês, está aqui. E tem também um curta (6 mins) desta hstória chamado “They’re made out of Meat”, dirigido por Stephen O’Regan.

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