Por que odiamos (ou amamos) tanto o “Bom dia!” no Whatsapp?

por Diogo Pereira

Crescemos ouvindo contos de fadas e finais felizes. Eles foram essenciais não só para termos contato com alguns dos arquétipos e valores culturais humanos de forma lúdica enquanto crianças, como também para nos apresentar as estórias como um formato essencial para a comunicação humana.

E de estória em estória nos acostumamos a enxergar a nossa vida da mesma forma. Tudo com um início, um meio e um fim. Feliz, ou não.

Ensinamos nossos cérebros a se comportar assim, pois torna mais fácil controlar o mundo que nos cerca, sem deixar nada escapar. Ou faz parte dessa estória ou não faz.

Nossa educação tem início, meio e fim. Entramos na escola quando crianças e vamos seguindo até a universidade, quando nos despedimos e entramos no mercado de trabalho.

Nossos relacionamentos amorosos também são assim. Conhecemos alguém e começamos a namorar. Não à toa comemoramos o aniversário de namoro para marcar o início do nosso relacionamento. E o mesmo vale para o casamento. E quando eles terminam, cada um segue sua vida e fim.

O mesmo raciocínio se aplica a outros momentos da nossa vida. Sejam nossas viagens, nossos empregos ou os momentos que vivenciamos.

É possível que nesse exato momento você esteja denunciando silenciosamente o quanto esse texto soa certo ou errado pra você.

Dependendo de quem você é, parar de estudar e começar a trabalhar podem ser o retrato fiel da sua vida ou algo completamente sem sentido. E isso se deve ao fato de estarmos na transição de uma forma de viver e se comunicar para outra.

Estamos passando de um mundo linear para outro hipertextual. E isso, além de um enorme avanço, também é um retorno à nossa essência.

Voltemos ao Whatsapp.

Antes da internet, um telefone servia essencialmente para falar. Ele e todas as outras formas de comunicação eram lineares. A conversa tinha um início, com um alô ou alguma saudação como o “Bom dia!”; um meio, a conversa em si; e um fim, com um tchau ou uma melosa sequência de “Desliga você”, “Não, desliga você”, etc.

A partir do momento em que passamos a ficar conectados o tempo todo, não faz sentido delimitarmos as fronteiras das nossas interações. Uma conversa pelo Whatsapp é algo fluido, sem começo e fim aparentes. Existe somente um meio, onde tudo é contínuo.

É por isso que ao receber um “Bom dia!” no Whatsapp ficamos extremamente incomodados ou muito satisfeitos. Se já nos comunicamos de maneira fluida, ele é uma interrupção completamente desnecessária no fluxo da conversa. Se resistimos a essa nova forma de nos comunicarmos, ficamos felizes de alguém ainda respeitar os antigos protocolos de comunicação já estabelecidos.

E por mais que resistamos ao novo, é um método mais natural para nós. Nosso cérebro funciona assim.

Ele é uma grande rede, assim como a internet, onde neurônios se conectam e desconectam o tempo todo formando redes neurais. Sim, como as redes sociais, por exemplo.

Não existe um início, meio e fim no Facebook. Existem conexões e interações em um fluxo contínuo e aparentemente infinito de informação. E foi justamente esse fluxo que o fez se tornar a principal rede social do mundo e ser copiado pelos demais.

E se essa é a forma como vamos nos comunicar daqui pra frente, significa que nada mais terá fim?

Pense em um livro. Mais do que imaginar se ele será físico ou virtual, tente imaginar como seria um livro que nunca terá um final.

Parece loucura, mas é exatamente a isso que se propôs George R. R. Martin, o autor de Game of Thrones. Em algumas de suas entrevistas, quando perguntado sobre qual foi a motivação para sua estória, ele explica que foi roteirista no passado e o incomodava muito trabalhar com formatos comerciais que limitavam o tempo, o número de personagens e a quantidade de cenários e desdobramentos da história principal. Por isso, criou uma obra aberta, sem fronteiras aparentes e perspectiva de final. Caso já tenha lido seus livros, consegue imaginar qual será o final da estória? Aliás, ele não aparenta preocupação alguma com a data de lançamento dos livros, apesar da cobrança comercial da editora e da produtora da série audiovisual. Se acontecer o que seus leitores temem e o seu falecimento ocorra antes do lançamento do suposto último livro, suspeito que ele não consideraria sua obra incompleta.

Então, a pergunta a ser feita não é se as estórias terão fim ou não, e sim em como lidaremos com isso.

E para responder a essa pergunta, nada melhor do que olharmos para a grande estória que é a nossa própria vida.

Pense na sua e diga se ela não se parece mais com uma rede de acontecimentos e pensamentos, sem início e fim aparentes – não temos lembranças de nossa primeira infância, e por isso não conhecemos nosso início  - , vivendo “eternamente” nesse meio. E quando a morte chega, não chega necessariamente uma conclusão. Ela normalmente é inesperada, imprevista e não carrega muito sentido. Salvo pelo suicídio, uma exceção, não construímos conscientemente nosso fim.

Vivemos séculos encaixotando o mundo e nossas vidas em estórias bem definidas pra que pudéssemos melhor apreender o mundo. Agora, unidos pela internet, talvez seja a hora de se despedir de toda essa bagagem que, sim, nos trouxe até aqui, mas talvez nos puxe para trás daqui em diante. Como um foguete que precisa de um propulsor pra chegar ao espaço, e lá, se solta dele pra continuar sua missão.

Não à toa o espaço é infinito  –  apesar de nossa obsessão pelo Big Bang, a mais famosa teoria do início do universo.

E foi justamente por medo do desconhecido que o infinito traz que demos início e fim à tudo.

Mas agora nos juntamos a ele, passando do temor à excitação. Queremos o infinito. Devoramos o mundo a cada manhã e ficamos felizes por não enxergar a linha do horizonte. O infinito deixa de ser um objeto e passa a fazer parte do sujeito.

Nós somos infinitos.

Não individualmente, mas juntos.

Se cada um de nós tem um tempo limitado de vida  – exceto pela crença na reencarnação, que abriria a possibilidade para uma existência infinita da alma e faria muito sentido aqui  -, juntos não temos limites. Ou ainda estamos muito distante de enxergá-los se eles existirem.

Agora, pare um pouco e reflita.

Pense nas portas que fechou pela necessidade de dar fim a uma estória, e se permita a oportunidade de abri-la novamente. Não para reviver o passado, mas para entender que ele ainda continua a fluir.

Nos diferenciamos dos animais justamente por conseguir aprender com o passado e planejar o futuro. E isso nada mais é do que buscar o início da estória e tentar predizer o final . Nem que seja o “Felizes para sempre”, que é torcer pra que haja um final, não importa qual, contanto que feliz.

Talvez seja o momento de viver o presente e deixar que o passado e o futuro sejam consequências e não causas do que vivemos. Um prêmio, um reconhecimento, uma conquista, devem ser decorrência de algo que você fez hoje, e não o motivo de você tê-lo feito.

E apesar de parecer uma tarefa difícil, basta lembrar que a vaidade do reconhecimento vem da individualidade, da crença no gênio criativo que realiza proezas sem a ajuda de ninguém. O que, se já não era verdadeiro, em um mundo hiperconectado cai por terra, pois a quantidade absurda de interações das quais participamos diariamente substitui o eu pelo nós.

Como nesse texto, que não foi escrito só por mim, e certamente não acaba aqui.

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