Por que Deadpool é o grande herói da nossa geração

antena

por Nano Fregonese

*atenção: spoilers leves

Superman, Batman, Homem-Aranha, Tempestade, Miss Marvel.

Esses e tantos outros heróis nos acompanham há tempos e já estão imortalizados no nosso inconsciente coletivo quase que como versões pop dos antigos heróis e deuses mitológicos.

Por meio deles experimentamos conceitos como sacrifício, lealdade, trabalho em equipe, corrupção, superação e mais uma cacetada de coisas que nos deparamos nessa aventura não tão empolgante, mas igualmente desafiadora que é a vida real.

Afinal, podemos não ter um Doutor Octopus nos atazanando, mas ainda temos que lidar com gestores grosseiros. Talvez não exista um Coringa espreitando nas sombras, mas os males da depressão nunca foram tão poderosos.

E quando você, menino magrelo, vai pro colégio e todo dia sofre com a zoeira dos babacas? Você reza pra vir um herói e te proteger, mas logo percebe que a coisa só vai mudar quando você assumir a responsabilidade nas próprias mãos e se transformar numa versão mais foda de si mesmo e corrigir o que está errado… como fez o Capitão América.

Todo essa blá blá blá serve só para dizer que heróis são um espelho das dificuldades e valores que trazemos conosco.

Mas e aí surge um camarada chamado Deadpool, que desvirtua tudo isso que eu falei aí em cima, e faz sucesso não apenas com a galera que já era fã dos Quadrinhos, mas com uma turma que nunca tinha ouvido falar do cara.

O que isso quer dizer?

O que isso revela sobre nós, como sociedade?

Longe de mim ter a resposta, mas, para pelo lançar o debate, temos que começar dando uma analisada no personagem:

Wade Wilson perdeu a mãe ainda criança, vítima de um câncer, e sofreu feito o diabo nas mãos de um pai militar, extremamente abusivo, que acabou morrendo em uma briga de bar. Claro que nada de bom sairia daí e Wade se transformou em um mercenário tagarela e meio desmiolado.

Quando ele próprio desenvolveu um câncer, aceitou participar como cobaia no projeto Arma X para se livrar da doença. O resultado foi um fator de cura ainda mais ninja que o do Wolverine… e um corpo todo deformado.

Nascia Deadpool, um vilão que apareceu pela primeira vez na revista The New Mutants #98.

Como o personagem era pra lá de secundário, a Marvel foi dando carta branca para os autores irem experimentando coisas e, dessa liberdade criativa, algo original foi se desenvolvendo, se aprimorando.

De vilão ele passou para anti-herói. De coadjuvante foi ganhando protagonismo. Até resultar em um séquito de fãs fiéis.

Aí veio o cinema e Ryan Reynolds.

Após uma adaptação cretina em Wolverine: Origens e anos e anos de um lobby fudido de Reynolds dentro da Fox, o estúdio finalmente liberou um filme solo de Deadpool. E a mesma coisa que fez do personagem um sucesso nos Quadrinhos também fez o filme estourar em bilheteria: liberdade criativa.

Reynolds e companhia puderam ousar, fazendo uma adaptação fiel ao material original, recheada de violência, piadas sobre o próprio universo da cultura pop e um humor politicamente incorreto.

Agora todo mundo conhece Deadpool.

Que bom, porque assim avançamos na conversa.

Loucura ou Iluminação?

O filme Deadpool é divertidíssimo. Talvez o mais engraçado do ano até aqui. Dá pra perceber todo o carinho e comprometimento dos roteiristas Rhett Reese e Paul Wernick, do diretor estreante Tim Miller e, claro, de Ryan Reynolds, que se entrega de corpo e alma ao personagem.

Mas que mensagem podemos tirar daquilo? O que Deadpool reflete?

À primeira vista, Deadpool não representa muita coisa. Na história, ele é movido por vingança — um motivo totalmente egoísta — e não liga muito pra mais nada. Ele passa os dias mergulhado em um mar de insanidade, espancando e matando gente, fazendo piadas com absolutamente tudo ao redor e zoando a única pessoa que parece querer cuidar dele: uma idosa cega que tem uma saudosa relação com cocaína.

Deadpool é um adolescente zoeiro no corpo de um mercenário com super-poderes. Alguém que não quer responsabilidades ou grandes conquistas na vida. Uma pessoa que prefere viver em seu próprio mundo.

Acredito que ele teria orgasmos ao ter uma conta de Snapchat por meio da qual pudesse enviar nudes deformados e não solicitados para todos os seus seguidores. Um alienado bobão.

Será?

Já perceberam que, tanto nos Quadrinhos como no filme, Deadpool adora quebrar a quarta parede e fala com o espectador? Tem gente que diz que ele faz isso porque é completamente maluco.

Eu prefiro acreditar em outra teoria.

Deadpool fala com o público porque ele é o único personagem da Marvel que tem perfeita consciência de que não existe de verdade. Ele sabe que não é real. Sabe que é apenas um personagem e que não pode se levar a sério. E nisso está sua maior força.

Ao abraçar uma realidade insana e totalmente fora do seu controle, ele acaba por se tornar o personagem mais sábio daquele universo.

Quando você tem perfeita noção de que não é nada demais, que todos os seus passos são controlados por seres imperfeitos, à mercê de um público que pode te jogar no limbo caso você não agrade suas expectativas, bom… aí você não tem muita escolha a não ser entrar na dança dessa corrente surreal de acontecimentos e tentar pelo menos se divertir ao longo do caminho.

E não é assim no nosso dia a dia?

Vivemos em uma sociedade caótica e julgadora, que luta consigo mesma por uma identidade que a defina, muitas vezes gerando paradoxos inconciliáveis. O próprio personagem nos joga isso na cara, durante uma cena do filme, quando fica em dúvida se deve bater ou não em uma mulher. Oras, se ele batesse, seria sexismo? Se não batesse, seria um sexismo ainda pior?

Trabalhamos como alucinados, muito além do que seria saudável, natentativa vã de extrair um senso de importância e reconhecimento. Claro que muitas vezes esse reconhecimento aparece, mas pode ser tão frágil a ponto de ser destruído por uma desaprovação de desconhecidos com comentários maldosos em redes sociais ou naquele seu blog que você mantém com tanto esforço.

Sem falar quando aquela sua vida toda organizada e estruturada vira de cabeça para baixo com uma demissão inesperada porque você não puxou os sacos certos ou porque o cliente não tem cultura o bastante para entender que você é o especialista na sua área, não ele.

O que sobra então é o caos, a compreensão de que não estamos no controle e que nem somos tão importantes quanto imaginávamos. Afinal, em um mundo com tanta gente, mesmo que você seja um cara divertido e bom no que faz, sempre aparecerão os Wolverines da vida — aqueles caras com um bom RP e com o poder econômico para garantir que ficarão bem na fita mesmo quando fazem cagada.

É simplesmente o jeito como as coisas são.

Então, como você aguenta isso? Uma vez que a verdade é escancarada, como continuar em frente?

Com uma dose de excentricidade, muito humor e um gigantesco sinal de “foda-se” para quem tenta te derrubar.

É verdade que a nossa geração tem muita coisa zoada.

É verdade que muitas vezes a nossa preocupação está mais na cerveja de sexta-feira com os amigos do que naquele velho checklist de casar, ter filhos, criar um patrimônio, se aposentar e morrer.

É verdade que não sabemos muito bem o que nos define.

Mas quer saber? Nós somos legais pra caralho, temos a capacidade de rir de nós mesmos e, mesmo com o peso de uma realidade inclemente, continuamos em frente. Máximo esforço, como diz o próprio mercenário.

Nós estamos aqui pra ficar, porque simplesmente não dá pra matar a gente. Assim como não dá pra matar o Deadpool.

E que o mundo fique esperto, porque, se bobear, a gente ainda quebra tudo, salva a mocinha e dá aquele beijo ao som de Careless Whisper.

E se você achou esse final clichê… bom, ninguém liga. Ele funciona muito bem pra nós.

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