Uma breve introdução à história do Hip Hop

[mks_icon icon=”fa-pencil” color=”#000000″ type=”fa”] Por Estevan Sanches

Em julho do ano passado o Spotify divulgou uma análise feita com mais de 20 bilhões de faixas musicais ao redor do mundo através do Mapa musical: Cidades pelo mundo. O estilo mais ouvido no mundo, segunda a pesquisa?

O Hip Hop.

Não por acaso, Kendrick Lamar e Drake são detentores dos dois maiores lançamentos durante o ano de 2015.
Com mais de 1.000 cidades em sua amostra, cada uma delas registrada no mapa possui sua própria playlist, que é atualizada duas vezes por mês de acordo com o uso do aplicativo.

É inegável o impacto da cultura do Hip Hop em nosso cotidiano, permeado para além da música: o gênero é uma subcultura que envolve estilo de vida, moda, artes em geral e estende-se além. Entretanto, a trajetória enfrentada até atingir o atual patamar de nível mundial nos mostra o quão árduo foi seu desenvolvimento e maiores expressões.

É impossível falar sobre a Hip Hop e deixar de lado o meio cultural em que ele está inserido, bem como seus principais pilares (rap, DJing, graffiti e breakdance são alguns deles) que surgiram na periferia de Nova York na década de 70. Os contextos sociais, políticos e econômicos do local propiciaram a criação dessa subcultura e todos os seus desdobramentos.

O INÍCIO

Bronx, um dos 62 condados de Nova York, era uma região prospera no início dos anos 60, com prédios espaçosos e quarteirões largos, abrigando parte da comunidade judia, italiana, irlandesa, negra e latina (principalmente porto riquinha) da cidade. Entretanto, a partir da década de 70, a cidade encontrava-se em crise e a beira da falência, devido a saída de muitas indústrias da região e também de uma visão de renovação arquitetônica falha e controversa de Robert Moses, engenheiro e planejador urbano, que na tentativa de renovar o bairro construindo uma rodovia expressa, basicamente dividiu  vizinhança ao meio, resultando por acabar com o comércio da área, e na migração de seus moradores locais, já que o movimento de pessoas diminuiu drasticamente com uma via que atravessava o bairro em direção ao centro da cidade.

Esse cenário acabou levando a população dessa região periférica, o sul do Bronx, ao desespero e com poucas alternativas para recorrerem na época além do crime (que no decorrer dos anos tornou-se a principal fonte de renda no bairro).

Os empregos estavam cada vez mais escassos, e o poder público já não atuava de forma efetiva, deixando de assegurar direitos básicos com educação, saúde, infraestrutura (grande parte dos prédios da região encontravam-se em condições precárias, sem aquecimento para o rigoroso inverno da cidade) e em especial, segurança. A polícia fazia vista grossa na região, sem investigar os crimes que por lá aconteciam rotineiramente.

A CULTURA DE GANGUES

Dentro desse contexto, a cultura de gangues tornou-se enraizada no sul do Bronx. Sem o amparo do sistema, uma anarquia foi instaurada, e eles não tinham ninguém a quem recorrer além deles mesmos, criando dessa forma pequenos “feudos”, protegendo seus territórios com suas próprias regras e cores. O último aspecto era de extrema importância para as gangues naquela época: as cores, normalmente exibidas com orgulho nas costas de jaquetas de couro dos seus integrantes, determinavam de qual gangue o membro era, por quais locais poderia passar com tranquilidade, ou em quais ele poderia ser atacado e até mesmo morto. As gangues rivais exibiam as jaquetas dos rivais que tentavam passar por sua região como sinal de alerta para que somente os que tivessem permissão pudessem adentrar no local; era uma maneira de impor respeito de modo selvagem e violento.

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Entre os anos 1960 e 1971, o número de homicídios quadriplicou por conta do envolvimento das gangues, que ultrapassavam a marca de 100 espalhadas pela cidade.
Entretanto, dentre as que possuíam uma reputação hostil, como os Black Spades, Savage Skulls, Aliens ou até mesmo a famosa Golden Guineas, uma delas destacou-se devido a uma nova mentalidade voltada para as ruas e para a comunidade: a Ghetto Brothers.

Por influência de movimentos como os Black Panthers e também dos Young Lords, a gangue passou a redirecionar sua energia para um novo caminho diferente da violência, conscientizando todas as gangues rivais da região a fazerem o mesmo. Começando com pequenas ações no bairro, como tirar crianças das ruas e incentivá-las a frequentar suas escolas por conta da crescente notoriedade que eles vinham adquirindo no entorno da região do Bronx, ou até mesmo reabilitar alguns viciados das ruas, sua reputação começou a ser ainda mais aceita por outras organizações de Nova York.

Porém, esse cenário promissor se viu ameaçado quando um dos integrantes da gangue, o representante da paz chamado Black Benji, foi assassinado ao tentar evitar o confronto de 4 gangues rivais no Bronx. Com o acontecimento, os Guetto Broothers dividiram-se: Uma parte queria buscar a vingança de seu membro enquanto outra buscava a paz de uma vez por todas entre as organizações da região.

Quando o presidente da Ghetto Brothers, Benjy, marcou uma reunião a fim de levar todos os chefes das mais de 40  principais gangues da cidade a assinar  um tratado de paz entre eles, para assegurar que não haveria mais nenhum derramamento de sengue entre eles.

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COM A PAZ, MÚSICA

A paz entre elas veio quase que imediatamente após o tratado, com a sensação de liberdade entre os membros de circularem pela região sem medo de represálias por parte de outras gangues. Existiam alguns pontos onde muitos moradores do Bronx nunca haviam sequer pisado por conta da violência que tomara conta da região anteriormente, mas a partir de então tornara-se possível fazê-lo. As pessoas convidavam e eram convidadas a frequentar festas de diferentes gangues, e também a tocarem qualquer instrumento musical que conhecessem.

Nos anos seguintes, as gangues foram transformando-se lentamente em grupos de DJs, dançarinos de breakdance, grafiteiros ou rappers, mas sem deixar o lado competitivo. A intimidação ainda estava presente, mas sem a violência do passado. Batalhas de MCs e grupos de dança tornaram-se comuns, exaltando ainda esse lado da competição entre cada um dos grupos.

Dentre as figuras mais importantes para o nascimento do Hip Hop, com certeza o DJ Kool Herc é uma das mais importantes, tanto que é considerado o fundador do estilo musical. Ele teve papel fundamental ao levar a energia das gangues para esse novo e entusiasmado movimento jovem, ao mixar músicas existentes com seu próprio estilo, criando breaks, loops e batidas ritmadas e trazendo sistemas de sons maiores e mais complexos para as festas (que vieram por influência de festas populares da Jamaica, que desde a década de 60 utilizavam sistemas como esses). Na época, a população do Bronx não queria ouvir algo que tocasse nos rádios ou boates; eles queriam algo que fosse mais próximo a eles e que carregasse sua própria essência, e com o que eles iriam sentir-se representados ao ouvir.

Mais tarde, muitos dos frequentadores dessas festas tornaram-se DJs de grande renome, como Flash, Grandmaster Caz, Afrika Bambaataa, Mean Gene, os L Brothers, Baron, AJ, Bam, Breakout entre diversos outros.

Hip hop, conforme mencionado no início do texto, é mais do que um estilo musical. Por meio dele as pessoas do sul da região do Bronx começaram a sentir-se representadas, já que o sistema público ficou anos sem ampará-lo devidamente. Por meio desse movimento cultural, eles puderam retratar os difíceis anos de violência, retratados por rappers e MCs, sem deixar de lado a competição com os dançarinos de breakdance ou as mensagens que deveriam ser passadas adiantes e nunca esquecidas com o graffiti. O movimento, mesmo que tenha sido concebido nos anos 70, continua sendo tão atual por conta destes contextos sociais e econômicos, que permanecem cotidianos apesar de tudo que a história nos mostra.

REFERÊNCIAS

Como o próprio título diz, essa é somente uma breve introdução ao mundo do Hip Hop e suas origens. Existem diversos filmes, livros e documentários excelentes que podem aprofundar uma análise ao movimento. Fiz uma pequena lista abaixo, para servir como base aos que tiverem mais interesse;

Filmes e documentários

– The Warriors (1979)
– Wild Style (1983)
– Boyz’N The Hood (1991)
– The Art of Rap (2012)
– The Get Down (2015)
– Rubble King (2015)
– Straight Outta Compton (2015)

Livros

– Hip Hop America, Nelson George (1998)
– When Chickenheads Come Home to Roost: My Life As a Hip-Hop Feminist, Joan Morgan (1999)
– And It Don’t Stop: The Best American Hip-Hop Journalism of the Last 25 Years, Raquel Cepeda (2004)
– Can’t Stop Won’t Stop: A History of the Hip-Hop Generation, Jeff Chang (2005)
– Somebody Scream!: Rap Music’s Rise to Prominence in the Aftershock of Black Power, Marcus Reeves (2009)
– The Big Payback: The History of the Business of Hip-Hop, Dan Charnas (2010)

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