Porque nós não chegaremos a Marte

A individualidade deve ser, provavelmente, a premissa mais básica da cultura humana. Com cinco dias de SXSW e de promessas de futuro que vi aqui, juntei três fatos. O primeiro é que, possivelmente, estamos chegando ao fim de tudo o que já podíamos fazer por e com a nossa individualidade. O máximo da personalização e a imortalidade não são pontos de um futuro tão distante.

O segundo é que agora estamos começando a querer conquistar um novo aprendizado, sair da individualidade. Para nos conectar, colaborar, compartilhar e, então, sermos menos ‘eu’e mais ‘nós’.

O terceiro é: estamos muito longe disso ainda.

Mars-One-habitat

sala da residência cápsula para ocupação de Marte por humanos em 2027

 

Vamos ponto a ponto.

 

Sobre o primeiro. O máximo da personalização que possivelmente vi aqui foi o painel sobre bioeletrônica e o futuro da medicina, com Kate Rosenbluth, a CEO da Cala Health, uma cia médica especializada em traduzir os últimos avanços da neurociência em terapias acessíveis. Segundo ela, a ciência já sabe que todos os comandos no corpo são impulsos elétricos ou bites de informação.

A bioeletrônica é a arquitetura de software que vai inserir novos bites de informação no nosso organismo para corrigir, com especificidade, nossos próprios impulsos elétricos e gerar curas. Essa tecnologia tem promessas de se desenvolver para não ser invasiva e as correções poderão ser enviadas por Wi­Fi para sensores do sistema nervoso periférico.

Hoje, já há resultados positivos em testes com diabetes, obesidade, pressão alta, e até conseguiram acelerar a recuperação de uma fratura óssea. Outra evidência de personalização vem da próxima revolução industrial, as impressoras 3D. No painel com Peter Weijmarshausen, CEO da Shapeways e Shane Wall, CTO da HP, ficou claro o surgimento de uma nova lógica de manufatura. A flexibilidade de personalização. Os modelos de impressoras 3D de hoje já têm autonomia para gerar de 100 até 500 produtos diferentes. Isso torna possível produzir um único exemplar de um produto porque apenas uma pessoa o quer, e nunca mais produzi­lo, sem onerar a cadeia de valor. A escala de manufatura não seguirá mais a mesma lógica e nós poderemos ser atendidos de maneira super específica nas nossas necessidades individuais.

Sobre o segundo ponto. Um assunto que foi muito discutido nessa edição foram as cidades do futuro. Em um painel sobre a nova tecnologia de trânsito, Iain Macbeth da cia de tânsito de Londres, Susan Zielinski da SMART e Andrew Salzberg, da Uber, a conectividade aparece como a próxima infraestrutura que vamos ver no trânsito. Sistemas de informação, com foco no usuário vão unificar a inteligência das empresas ligadas ao trânsito e da indústria de carros, gerando otimização de fluxos, impedindo acidentes e gerando uma lógica de trânsito onde ninguém vai aonde quer, por onde quer, da forma que quer. A decisão de um vai ter que se encaixar no que é melhor para todos. Além das iniciativas de tornar todos os carros compartilháveis, carros autônomos aprendem com outros carros e tomam decisões com base em todo o contexto. Na internet, um grande impacto no contexto veio do painel The Next Three Billion People on Social. Iniciativas somadas, como do Facebook (internet.org), do Google com o projeto Loon e tantas iniciativas locais das comunidades, vão quebrar as barreiras da conectividade no mundo e teremos a possibilidade de interagir com novas 3 bilhões pessoas na internet pela primeira vez. Até 2017, 69% da população mundial terá acesso a 3G. Isso significa que a rede vai ter 3 bilhões de novos produtores de conteúdo, 3 bilhões de novos amigos para nos conectar, 3 bilhões de novos consumidores para seguir as marcas, 3 bilhões de pessoas para incluir em plataformas colaborativas etc. A internet unificará o planeta todo. Todos estaremos juntos. Só que não.

Sobre o terceiro ponto. Todos nós já vimos filmes sobre viagens espaciais e temos visto notícias sobre missões a Marte, mas você sabe o quão difícil é para chegar a Marte? A Mars One é uma cia que tem um plano para estabelecer um assentamento humano permanente em Marte. Em vez de tentar trazer de volta tripulações, a Mars One planeja enviar equipes a cada ano. Barreiras como o custo da missão ­ 6 bilhões de dólares que, segundo o CEO e Co­Fundador da Mars One, Bas Lansdorp, não será o problema, pois a mídia da missão terá a rentabilidade equivalente a oito jogos olímpicos. A infraestrutura também não será problema. Segundo Bas, toda a tecnologia para ocupar Marte já existe. A maior barreira para a missão é outra. É encontrar o grupo de 4 pessoas que, juntas e sem mais ninguém, irão, durante 3 anos, fazer a primeira ocupação humana no novo planeta, até que a próxima equipe chegue. Bas prevê muita dificuldade em encontrar um grupo harmônico e que consiga conviver por 3 anos juntos, sem se matar. A barreira é de relacionamento. Em um outro painel, sobre amizade de humanos com robôs, Jim Lawton, da Rethink Roboticas, e Karen Kerr, da GE admitiram que, por mais que avancem na inteligência artificial dessas máquinas, a ciência ainda está muito longe de entender qual é e como fazer a inteligência que gera o sentimento de amizade.

Nós não chegaremos a Marte porque ainda não descobrimos a essência por de trás dos relacionamentos. Nós não chegaremos a Marte porque se fechados em um ambiente, ainda não encontramos o ponto onde convivemos com mais 3 pessoas por um longo período de tempo em paz e sem querer a morte. Nós não chegaremos em Marte ou, na verdade, nós não sairemos do mundo como o vemos, porque ainda não temos consciência do que são feitos os relacionamentos, para o que eles verdadeiramente servem e como usá­los de forma pacífica, significativa e confortável.

Nós não chegaremos a Marte com mais tecnologia. Não chegaremos a Marte com mais dinheiro. Se esses continuarem sendo o foco de tudo o que fazemos, estamos muito longe de chegar a Marte ou a qualquer outro lugar longe desse mundo que temos. É nos relacionamentos que está, afinal, o verdadeiro avanço da humanidade.

 

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