O palco digital: o uso das mídias sociais na experiência teatral

Vivemos imersos na rede. Nosso tempo online já ultrapassa o dispensado em outros meios outrora bastante populares, e o próprio computador parece passar a ser a “segunda tela”, se levarmos em conta as inúmeras horas que passamos mergulhados em nosso smartphones e tablets, surfando nas redes sociais, criando, recriando e compartilhando conteúdo de todos os tipos. Muitos teóricos de vários campos de pesquisa já classificam nossa experiência de vida como “Onoff” – um complexo sempre conectado, onde a existência fora e dentro da rede se confunde e se funde, fragmentando e dilatando as mais sutis praticas do dia a dia. É evidente que isso se estende para a arte.

Desde o início da era digital, a arte – principalmente as expressões de cunho audiovisual – encontrou seu caminho dentro desse novo mundo, usando o meio virtual como plataforma, como inspiração e como fonte quase inesgotável de materiais articuláveis. Com a popularização da rede mundial de computadores, o que antes estava restrito a um círculo relativamente pequeno de iniciados adentra as casas de cada usuário na velocidade do click, e o Google se torna uma espécie de biblioteca/galeria, um dos epicentros desse mundo efervescente. Plataformas socais como o Instagram, Pinterest, YouTube, Flickr e SoundCloud surgem como canais para disponibilizar conteúdo audiovisual para o maior número possível de pessoas, facilitando o acesso, a divulgação e o cruzamento de experiências. Já são milhares os artistas que usam essas ferramentas, esses novos meios, e gêneros inteiros surgiram de suas mãos, de seus computadores e gadgets.

Entretanto, um campo artístico ainda engatinha quando o quesito é usar as mídias sociais como plataforma: o teatro. Muito por conta das suas próprias características fundamentais, o avanço do teatro dentro das redes se dá quase que exclusivamente para divulgação pura e simples. Ainda são poucos os espetáculos que se aventuram a usar a rede como plataforma de fato, como fonte para uma nova dramaturgia ou ainda como extensão do que é vivenciado nos palcos. Vejamos algumas experiências brasileiras nesse sentido que demonstram como as redes – com ênfase nas redes sociais e plataformas de conteúdo – podem servir aos palcos com a mesma potência com que têm servido a outros caminhos artísticos.

Ainda em 2013, o diretor Marcus Galiña, da Cia Monte de Gente, deu à luz um novo gênero dramatúrgico batizado de “Facedrama”. Através de um perfil no Facebook, “Facedrama Brasil”, qualquer um que estivesse conectado, fosse na plateia ou em casa, poderia interferir nos rumos do que acontecia em cena, comentando um post previamente feito pelo próprio Galiña, numa espécie de “dramaturgia coletiva on-line”, como o próprio diretor define. Mais recentemente, espetáculos como A felicidade segundo os felizes, de Kleber Di Lazzare, e Fica tranquila… Te conto na Terça, da dupla Juliana Feldens e Ernersto Filho, também usaram as redes sociais como fonte para a dramaturgia.

No monólogo A felicidade segundo os felizes, Kleber Di Lazzare – dramaturgo e ator da peça – se utilizou do seu próprio histórico no Facebook, em ressonância com o Livro dos Abraços, de Eduardo Galeano, como eixo para tentar encontrar esse indivíduo contemporâneo, plural tanto na existência real, quanto na sua representação virtual. Já em Fica tranquila… Te conto na Terça, Juliana Feldens e Ernersto Filho usaram cerca de 4.000 mensagens que trocaram entre si pelo WhatsApp para dar corpo a uma dramaturgia que falasse dos dois e ainda contivesse a questão da extensão do corpo que essas novas tecnologias proporcionam.

Além do uso para fins dramatúrgicos, várias companhias têm usado os serviços de streaming em tempo real para aumentar o alcance de seus espetáculos. É o caso do Teatro Oficina, patrimônio imaterial do teatro brasileiro, que transmitiu pelo YouTube toda a temporada de sua última montagem de Navalha na Carne.

Ainda há muito o que explorar com relação às redes sociais dentro do teatro, para além da propaganda e divulgação. Essa arte viva, artes das máscaras, da ilusão e da palavra, tem muito em comum com o mundo dos avatares e das narrativas artificiais que é a web. Quem sabe, em um futuro próximo, o celular deixe de ser tabu dentro das salas de espetáculo, e se torne ferramenta de participação, de expansão da arte para além do espaço físico do palco, tornando cada indivíduo um ator possível, com seu perfil/máscara e sua própria dramaturgia.

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