Foi Kichute. É chuteira.

Foi: viajar solto no porta-malas do carro.
É: viajar com o cinto de segurança. No cadeirão. No banco de trás.

Foi: brincar na rua até escurecer. Com a mãe na janela gritando para voltar porque o jantar estava na mesa.
É: brincar no condomínio. Com a mãe chamando para o jantar pelo WhatsApp.

Foi: fazer lição com o auxílio de enciclopédias.
É: fazer lição com o auxílio do Google. E do grupo do WhatsApp.

Foi: chupar bala Soft. Que de soft só tinha o nome. Era dura feita uma bolinha de gude. Aliás, desconfio que fosse uma espécie de bolinha de gude. Só que com açúcar. Muito açúcar. Aliás, pensando bem, desconfio que fosse açúcar. Em formato de bolinha de gude.
É: ter balas e doces de montão. E uma consciência precoce de que este montão não faz bem.

Foi: Coca-Cola 1 litro aos domingos para a família toda. Na garrafa de vidro, retornável.
É: Suco para um, chá para outro, refrigerante diet para a mãe, água com gás para o pai. Tudo em embalagem descartável.

Foi: aniversário com guaraná, bolo, brigadeiro e amigos. Tudo feito em casa, inclusive a festa.
É: aniversário com guaraná, Coca-Cola, suco para os amiguinhos que não tomam refrigerante, Coca Zero para a mãe, cerveja para o pai, vinho para os amigos do pai e da mãe, bolo, brigadeiro, quitutes de entrada, penne com molho branco ou vermelho de prato principal, salada com molho mostarda, lembrancinha, animadores e amiguinhos. Tudo feito no buffet ou encomendado no condomínio.

Foi: assistir desenhos animados quando eles passavam na TV. Ou seja, só de manhã, nos dias de semana, ou um pouco mais espalhados pelo dia, nos finais de semana. À noite? Nunca, nem pensar.
É: assistir desenhos On Demand. Ou seja, a qualquer hora do dia ou da noite, porque se tem uma coisa que a criançada sabe fazer é demand tudo o tempo todo.

Foi: ter um revólver de espoleta que era uma réplica perfeita de um revólver de verdade. Foi “fumar” cigarrinhos de chocolate. Foi nunca ter ouvido falar de politicamente correto.
É: ter uma Nerf. Saber que fumar não é legal, nem chocolate. É nascer sabendo o que é politicamente correto.

Foi: ir para escola ouvindo a rádio Jovem Pan, a estação preferida dos pais – “Começou um novo dia / Já volta quem ia / O tempo é de chegar…”
É: ir para escola ouvindo a rádio Disney, a estação preferida dos filhos e não ter uma musiquinha que vai te marcar pro resto da vida.

Foi: assistir os Trapalhões. E pais e filhos rirem das mesmas piadas racistas.
É: assistir Filmes da Pixar. E pais e filhos rirem das mesmas piadas inteligentes.

Foi: brincadeira de montão.
É: atividade que não cabe na agenda.

Foi: Kichute.
É: chuteira.

Foi: Atari.
É: Xbox.

Foi: Zueira.
É: Bullying.

Foi: inocente.
É: consciente.

Foi a minha infância.

É a dos meus filhos.

Foi melhor ou pior?

Difícil dizer.

Em alguns aspectos, sim.

Em outros, não.

Mas uma certeza, eu tenho.

Foié muito bom ser criança.

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