Storytelling, aprendizado e o nosso cérebro

Contam que certa vez, para demonstrar os seus dotes de escritor, Ernest Hemingway aceitou o desafio de escrever uma história com apenas 6 palavras. Saiu-se com a seguinte frase: “For sale: baby shoes, never worn” – em uma rápida tradução, “à venda: sapatos de bebê, nunca usados”. A frase ficou conhecida como o conto mais curto do mundo e ganhou notoriedade muito pela fama do autor. Atualmente tem sido estudada não em classes de literatura, mas em pesquisas cognitivas. Pesquisadores a usam para determinar o quão poderoso é o efeito de uma boa história sobre o cérebro.

O neurocientista Paul J. Zak, diretor do centro para estudos neuroeconômicos da Universidade de Claremont, em um artigo publicado na revista “Cerebrum”, analisa o conto, focando sua “força” em 3 aspectos, comuns em histórias inspiradoras: a) utiliza o conceito de limiar de atenção do cérebro a seu favor; b) utiliza o poder do impacto emocional; c) utiliza a combinação dos 2, como atalho para a mensagem.

Histórias captam melhor a nossa atenção do que outras formas de informação porque deixam um traço físico e emocional no cérebro. Em parte, por razões evolutivas. Como somos criaturas sociais, interagindo regularmente com desconhecidos, histórias cumprem o papel de transmitir efetivamente informações e valores culturais de um indivíduo ou comunidade a outro. Histórias pessoais ou emocionais tinham a função de facilitar a lembrança do que era passado e por esta razão, eram mais utilizadas do que uma simples declaração de fatos.

Zak e sua equipe utilizaram em sua pesquisa uma animação que conta a história de Ben, um menino de 2 anos e meio que tem um tumor cerebral. A narrativa traz o “pai” de Ben contando que o filho tem apenas alguns meses de vida, enquanto o próprio garoto brinca ao fundo (para assisti-lo, clique AQUI). Os pesquisadores perceberam que após assistir ao vídeo, cerca de metade das pessoas doavam dinheiro para instituições que tratavam de crianças com câncer. Construíram então, um modelo matemático para analisar uma série de histórias emocionais e ajudar a “prever” a reação das pessoas a elas. “Descobriram” 2 aspectos fundamentais nas histórias que consideraram mais efetivas. O primeiro, ela deve não apenas chamar a atenção, mas mantê-la durante um período de tempo. O segundo, deve transpor quem a ouve para o lugar ou o “mundo” dos personagens.

Como se aprende por histórias?

Como não são todas as histórias que conseguem manter a atenção de alguém durante certo período e transpor para o “mundo” dos personagens, é preciso entender como isto acontece. Na visão de alguns teoristas da narrativa existe uma “estrutura universal de histórias”, chamada de “arco dramático”. Ele começa com algo novo e surpreendente, proporciona um aumento de tensão mostrando as dificuldades que os personagens devem superar, geralmente por conta de uma falha ou crise em seu passado, leva ao clímax, onde os personagens devem “olhar” para dentro de si para poderem superar os problemas e então, uma vez que se reinventarem ao encontrarem “sua verdade”, a história se resolve por conta própria.

Esta estrutura ajuda a transmitir a informação de forma que não nos esqueçamos dela facilmente. Instintivamente, procuramos pela “estrutura universal” quando sentimos a necessidade ou a urgência de “decodificar” algum dado que acreditamos relevante.  O “arco dramático” é a “razão” pela qual boa parte das pessoas olha para acidentes de carro ao passar por eles. É preciso saber se há sobreviventes porque talvez eles tenham feito algo que os fez sobreviver. Ou então, é preciso saber se o motorista fez algo que causou o acidente. E nós, por uma questão evolutiva, temos a necessidade de conhecer informações importantes para a nossa sobrevivência.

Explorando o potencial educacional de histórias (e do “arco dramático”), alguns projetos estão integrando narrativas aos seus esforços, com resultados animadores. Os cito como exemplos da associação narrativa-aprendizado:

Criada em 2012, a iniciativa Narrative 4 ou N4, estimula o aprendizado via histórias com um processo bem simples, que está sendo replicado em diversas escolas e centros comunitários mundo afora. 2 participantes “criam” cada um uma história e a contam para o outro. Quem ouviu, tem que recontá-la para mais duas pessoas e assim por diante. O objetivo é quebrar barreiras e preconceitos por meio da “troca” de conhecimento.

Storycorps, o já lendário projeto de história oral de Dave Isay, começou em 2003 com uma cabine de gravação no Grand Central Terminal de trens em Nova York, onde pessoas comuns gravavam a “história” da sua vida para compartilhar com os demais. Treze anos depois (e mais de 50 mil gravações), estas histórias individuais constituem um dos maiores legados sociológicos contemporâneos.

Humans of New York, é um blog lançado pelo fotógrafo Brandon Stanton, para registrar a imagem e as histórias de nova-iorquinos comuns. Com mais de 20 milhões de seguidores hoje, o “projeto” é considerado um “senso fotográfico” da cidade nos dias atuais e usado como fonte de pesquisa em diversos estudos acadêmicos.

A narrativa (ou mais conhecida em alguns meios como storytelling) não é apenas um processo artístico para criação de entretenimento. É um fio condutor memorável que também pode nos ajudar a reter informações importantes e aumentar o aprendizado. Isso acontece porque ela “estimula” o cérebro a “processar” a informação no ritmo em que ela é passada.

Como diz a frase atribuída a Ira Glass, famoso locutor de rádio americano, “grandes histórias acontecem com aqueles que podem contá-las”.

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