Gente que usa reunião para prosperar. O famoso “reunieiro” profissional.

Octavian Costache, um dos fundadores da start-up de compras Spring, costuma “tomar” a palavra nas reuniões semanais com todos os funcionários, promovidas na cozinha da empresa. Costache trabalhou durante anos na Google e é um dos criadores do Gmail e do Google Maps, portanto um “cara” que todos querem ouvir falar. Só de pigarrear, já chama a atenção na Spring. Foi o que fez em um dos encontros realizados em fevereiro último, queria falar sobre um assunto urgente: reunião.

Citando um artigo famoso de Paul Graham chamado “Maker’s Schedule, Manager’s Schedule”, apresentou o conceito que vinha “martelando” a sua cabeça. Segundo Graham, algumas pessoas “prosperam” em reuniões, e por isso necessitam de um calendário cheio delas, em horários e locais variados. Ele as chamou de “managers” (vou manter o termo original e não a tradução, gerentes, por uma questão de sintaxe). Mas uma empresa, em especial as baseadas em tecnologia (não por acaso, de onde Graham e Costache vieram), não é apenas formada por “managers”. Há aqueles cujo bem-estar pode ser “quebrado” por uma sala de conferências. Precisam de um tempo germinativo, muitas vezes solitário, para colocarem em prática a sua expertise. Graham os chamou de“makers”.

Para ilustrar a ideia, Costache colocou em um monitor um Google Calendar, com um mosaico colorido e tumultuado de afazeres, e o apresentou como “a semana ideal” de um “manager”. Em seguida, abriu um calendário novo, todo em branco, e o apresentou como o “paraíso” dos “makers”. Arrancou aplausos entusiasmados.

A verdade é que apenas as áreas de design de produto e de desenvolvimento, em uma empresa como a Spring, estão autorizadas a um calendário de “maker”. O restante precisa se equilibrar em videoconferências, ligações e encontros. A realidade coloca os verdadeiros “pingos nos is”. Como fazer então?

O próprio Paul Graham dá a dica. Quando perguntado se ainda apoiava as ideias contidas no “Maker’s Schedule, Manager’s Schedule”, saiu-se com um “claro que sim” – afinal foi ele quem escreveu o texto – mas acrescentou: “minha reunião ideal não tem mais do que 4 ou 5 participantes, que conhecem e confiam uns nos outros. Nada de powerpoint ou pessoas tentando impressionar umas às outras”. Em um texto anterior, escrevi um pouco sobre “QI coletivo” e como ele é estimulado em grupos que se comportam exatamente como na descrição da reunião de Graham.

Anos atrás, treinei durante alguns meses boxe. Não foi aonde me encontrei em termos de artes marciais – hoje pratico kung fu, que me proporciona momentos de incrível alegria – mas tenho uma dívida com a chamada “velha arte”. Existe duas coisas em comum entre o boxe e começar uma empresa que notei com o passar do tempo (vou chegar mais à frente no que isto tem “a ver” com reuniões). A primeira é que são atividades extremamente solitárias. Certamente se tem a ajuda de amigos, mentores e treinadores, mas quando a luta começa, é só você no “ringue”. O segundo, é que a “luta” propriamente dita tem pouco a ver como trabalho em si, é uma porção bem pequena do que se tem que fazer. O verdadeiro trabalho acontece quando ninguém está olhando: o treino, a preparação. Muitas vezes só nos damos conta quando estamos recebendo as pancadas.

Reuniões são como treinos. Em uma empresa, assim como no boxe, ter as pessoas certas auxiliando na preparação pode ser a diferença entre sair da “luta” só com um olho roxo ou direto para o hospital. Entendo a “reclamação” de Costache e Graham não como uma diatribe contra reunião, mas contra a perda de tempo. Se pudesse ser vendido no mercado financeiro, creio que “investir” em tempo daria o maior retorno de todos – dado o quão valioso ele é. É preciso critério para marcar, participar e até encerrar uma reunião. Ela precisa ser significativa, do contrário é inevitável a sensação de tempo perdido. Ser significativa, para mim, não implica necessariamente gerar algum plano ou decisão – mas contar efetivamente como um passo a mais (não necessariamente adiante) no processo de trabalho. Mesmo porque, como disse certa vez Mike Tyson – voltando à analogia do boxe – “todo mundo tem um plano até levar o primeiro soco na cara”.

Criar algo – e não se engane, esta é a razão de reuniões – está relacionado ao “caminho”, não ao “resultado final”. É o caminho que conduz a intenção. O que os “reformadores de reuniões” quase não abordam é que elas funcionam como “abrigos de mentes” e quando bem combinadas entre participantes, que sabem o que querem e respeitam as opiniões alheias, podem atuar como um “celeiro” de boas ideias. O caminho é o processo.

Para fechar, deixo como reflexão uma frase do grande treinador de boxe Cus D’Amato: “não importa o que se diga, não importa a desculpa ou a explicação dada, no final das contas, o que uma pessoa faz é o que ela queria fazer desde o início”.

Qual é o processo das suas reuniões?

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