A nova face dos quadrinhos

Em 2015, pela primeira vez, o equivalente ao ministério da educação da Austrália incluiu revistas em quadrinhos na sua lista de recomendações de leitura. Títulos como “X-men” de  Joss Whedon, “Batman: o cavaleiro das trevas” de Frank Miller e “Watchmen” de Alan Moore figuram juntos a “Apanhador no campo de centeio” de J. D. Salinger e “O grande Gatsby” de F.Scott Fitzgerald.

Nos últimos 10 anos, o crescente interesse de especialistas em educação pelos quadrinhos tem produzido uma série de estudos acadêmicos, que recentemente chamaram a atenção de autoridades públicas. A razão se deve à validação por parte da academia de que os quadrinhos ajudam de fato a melhorar a compreensão da leitura, talvez até mais do que os romances tradicionais e os livros ilustrados.

batman-and-red-robin-19-carrie-kelleyApesar do “sucesso de crítica”, muitos professores ainda relutam em aceitá-los como materiais de estudo – por convicção ou preconceito – o fato é que esta forma de expressão literária, popularizada a partir dos anos 1930, já enfrentou muita adversidade. Ficou famosa a campanha feita por conservadores norte-americanos nos anos 1950 pedindo a proibição dos quadrinhos, sob a alegação de que estimulavam a delinquência juvenil. A dra. Janette Hughes, professora de biblioteconomia do Instituto de Tecnologia da Universidade de Ontário, no Canadá, e defensora do uso dos quadrinhos em educação, conta que ainda há muita relutância em aceitá-los como “leitura digna”. Em suas próprias palavras: “como professora e bibliotecária, ouço isso o tempo todo quando sugiro quadrinhos para os estudantes. Seus professores são os primeiros a dizer que eles precisam ler um livro de verdade.”

A inclusão dos quadrinhos como material didático está sendo feita de forma lenta, mas constante. Em 2008, novamente pela primeira vez, um quadrinho concorreu ao prêmio literário oferecido pelo governo canadense. Trata-se de “Skim”, de Mariko e Jillian Tamaki, sobre uma adolescente oriental convivendo em uma escola católica só para meninas.

hq3Pesquisas feitas pela  University of Northern Iowa e Clemson University, mostraram que 80% dos estudantes preferem quadrinhos aos textos tradicionais. A pesquisa da Clemson University foi um pouco além e utilizou o conto “O Barril de Amontillado” de Edgar Allan Poe para explorar os efeitos dos quadrinhos. Utilizou uma adaptação do conto em quadrinhos como suplemento ao texto tradicional e como alternativa ao texto original. Nos dois casos, quem utilizou a versão em quadrinhos tirou uma nota significativamente maior em um teste de compreensão do que quem apenas utilizou a versão em texto.

Outro estudo, produzido para testar o ensino de inglês como segunda língua, em uma escola em Ankara, Turquia, pelos pesquisadores Hüseyin Öz e Emine Efecioğlu comparou a utilização da versão em quadrinhos de “Macbeth” com o texto original de Shakespeare e descobriu que os quadrinhos tiveram um papel fundamental no entendimento: 1) de elementos literários como símbolo, configuração e prognóstico; 2) de inferência; e 3) de vocabulário.

finalmenteoverao_eO fato é que o nosso principal sentido, a visão, age em favor dos quadrinhos (e de qualquer informação visual). A psicologia cognitiva chama isto de “efeito da superioridade da imagem” (no original, “picture superiority effect”), que facilita a lembrança de conceitos quando apresentados em imagens. Quando uma informação é apresentada combinando texto e imagem, a retenção é de 65% (no período de 3 dias após a termos recebido). Isto explica a superioridade dos quadrinhos em relação ao “texto corrido”, levantada pelos estudos.

A ironia é que o nosso cérebro processa os quadrinhos de forma bem similar ao modo como processa o “texto corrido”. Mais um estudo (perdoem-me o excesso de referências, mas o assunto é realmente “palpitante”), este feito pelo Dr. Neil Cohn, que procurava entender como o cérebro reagia aos quadrinhos, descobriu que usamos o mesmo processo cognitivo para entender quadrinhos e sentenças em texto. A frase “ideias verdes incolores dormem furiosamente”, cunhada pelo linguista Noam Chomsky expressa o processo utilizado no estudo. Ao entrarmos em contato com uma comunicação incoerente, nosso cérebro automaticamente busca alguma lógica que possa demonstrar um sentido. No estudo, o pesquisador utilizou quadrinhos que passavam uma informação incoerente e percebeu que apesar dos participantes terem dificuldades em entender os quadrinhos, eles reconheciam uma lógica subjacente a eles. Isto demostrou que utilizavam a gramática para entender a história que o quadrinho contava, da mesma forma que utilizamos a gramática para entender o texto que lemos.

Como um leitor voraz, comecei meu interesse pela literatura através das histórias em quadrinhos. Li “Tarzan” e “Em busca do tempo perdido” em suas versões em quadrinhos e confesso que elas me estimularam a procurar os textos originais. Creio que essa forma literária pode ser utilizada para estimular o prazer pela leitura. Mais do que um hábito, ler deve ser encarado como um entretenimento, um hobbie que ao mesmo tempo em que diverte, ensina.

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