Na mitologia cristã, ao se estabelecerem na planície de Senaar, os descendentes de Noé (sim, aquele da arca) estavam executando o ambicioso projeto de uma torre que chegasse até o céu; não podendo permitir isso, houve uma intervenção divina, contada nos versículos 6 à 9 do livro de Gênesis, capítulo 11, da bíblia cristã:
- E o Senhor disse: Eis que o povo é um, e todos têm uma mesma língua; e isto é o que começam a fazer; e agora, não haverá restrição para tudo o que eles intentarem fazer.
- Eia, desçamos e confundamos ali a sua língua, para que não entenda um a língua do outro.
- Assim o Senhor os espalhou dali sobre a face de toda a terra; e cessaram de edificar a cidade.
- Por isso se chamou o seu nome Babel, porquanto ali confundiu o Senhor a língua de toda a terra, e dali os espalhou o Senhor sobre a face de toda a terra.
A capital do império Babilônico, Babel, destino de um grande número de imigrantes (com seus variados idiomas) tornou-se, assim, referência literária em um dos principais desafios para a congregação da ração humana: a capacidade de compreensão e expressão das vontades e opiniões nos 6.912 idiomas existentes no planeta (dado do Ethnologue, maior inventário de idiomas do mundo) – só no Brasil, são 187 idiomas, além do português.
A importância de um idioma
Mesmo com toda esta variedade, um código de comunicação comum (idioma) favorece a nichificação de culturas e valores, ampliando sua influência para além da comunicação propriamente dita e tornando-se um estandarte na auto afirmação cultural. Como dois exemplos reais, a manutenção do francês em Quebec (Canadá) e o Catalão, na região capitaneada pela cidade de Barcelona, na Espanha.
A força do idioma na construção dos valores também foi explorada pela ficção, como os idiomas Klingon (Jornada nas Estrelas), Na’vi (Avatar) e Dothraki (Game of Thrones). Aliás, a melhor ilustração para este pensamento foi a Novilingua, uma adaptação criada pelo governo absolutista do livro 1984, de George Orwell: se você não sabe como se referir a um sentimento ou ideia, você não tem como pensar neles – o que permitiria, então, um melhor controle sobre a sociedade.
Entender o outro e saber expressar seus desejos e ideias é primordial para qualquer tipo de aprendizado (nos sentidos formal e informal do termo) e, por isso, conseguir ultrapassar a barreira idiomática tornou-se ainda mais importante quando a humanidade em si passou a estar amplamente conectada graças a esse “negócio” que hoje chamamos de internet.
Existem dois caminhos para esta solução: a unificação do código de linguagem (como o malfadado idioma Esperanto) ou a conversão imediata dos significados de um código a outra, popularmente chamado “tradução”.
Paralelamente ao movimento social (com influência econômica, claro) que, seguindo o primeiro caminho citado acima, colocou o inglês como um idioma ‘universal’ (falado até pelos aliens que nos visitam em filmes e livros), diversas empresas e projetos acadêmicos buscam, há tempos, eliminar ou, ao menos, minimizar os desafios criados pelos problemas de comunicação.
Quando discutido com linguistas e professores de idioma, surge uma grande discussão sobre o que significa “saber um idioma“, que varia desde o conhecimento de suas regras ortográficas, gramaticais e sintáticas à simples capacidade de ‘exprimir uma ideia’. Neste segundo aspecto, conseguir fazer entender-se, de certa forma, superaria a barreira do idioma, pois permite trocar informações que favorecem a tomada de decisões e o aprendizado, ainda que limitado.
Se a conhecida mímica usada em países onde não temos a menor ideia de como nos comunicar (saudades, República Tcheca!) pode gerar confusões, a comunicação iconográfica e visual parece cumprir, ainda que de maneira limitada, esta função.
Voltamos à era dos hieroglifos?
A escrita sagrada utilizada por diversos povos da antiguidade e popularmente remetente aos egípcios utilizava, entre outros símbolos ideogramas, imagens únicas que remetiam a uma ideia ou conceito, similar, neste aspecto, aos ideogramas japoneses e chineses, por exemplo.
Mas o que isso tem a ver?
Segundo o Global Language Monitor, a “palavra” mais utilizada no ano de 2014 não foi propriamente uma palavra, mas um emoticon:
Além de camisetas onde você pode apontar o que quer quando viaja, a incorporação dos emojis como representação visual de um significado parece estar avançando tanto como código comum (independente do idioma) como para simplificação e consequente aceleração da comunicação.
O novo sistema operacional da Apple para iPhones e iPads (iOS 10) traz, entre outras coisas, uma curiosa atualização em seu recurso preditivo do teclado (aquele negócio que sugere palavras conforme você vai digitando): a possibilidade de substituir palavras por emojis.
Em uma controversa declaração, Craig Federighi, VP de Engenharia de Software da empresa do tio Jobs, prevê que “as crianças de amanhã não entenderão o conceito de um idioma inglês“.
Ainda haverá muita discussão, em diversos idiomas, se isto significa um novo idioma mundial ou a versão digital da Torre de Babel. E, como sempre digo, em Klingon, ghItlhpu’DI’ neH nuq ‘oH.