O Ranking da FIFA e como uma calculadora vale mais que vitórias

O Ranking Mundial de Seleções da FIFA não é sério. Eu sei, você sabe, todo mundo sabe. Mas a gente só percebe que ele não é sério de olhar pra lista, mas não necessariamente entende o motivo da desconfiança, certo? Senão, vejamos: uma formula complexa de cálculo promove hoje, por exemplo, Bélgica e Colômbia em segundo e quarto lugares, respectivamente (ambas à frente do Brasil) e País de Gales à frente de Espanha, Inglaterra e Itália.

Antes de falar de futebol mesmo, vamos tirar a matemática da frente. Por que o ranking promove tantas distorções? O método de cálculo é uma teoria razoável: para cada partida jogada, os times recebem pontos de acordo com a força do oponente que se multiplicam 1) pelo resultado da partida (x3 para uma vitória, x0 para uma derrota) e 2) pela competição que aquela partida representa (x4 para a Copa do Mundo, x1 para um amistoso). Uma média dos pontos ganhos em cada partida nos últimos quatro anos (com maior peso para as partidas mais recentes) somam-se, então, para formar o ranking.

 

A formula de cálculo do ranking da FIFA
A formula de cálculo do ranking da FIFA

A principal falha do método é que a pequena pontuação de amistosos pode prejudicar muito uma média razoável conseguida em partidas de competições. Sem querer entrar na complexidade do cálculo e da solução (que seria distribuir melhor os pesos entre as partidas), o resumo dessa inconsistência matemática é o seguinte: na maior parte das vezes, amistosos estão puxando para baixo a pontuação das seleções – mesmo em caso de vitórias.

Comissões de seleções mais espertinhas estão olhando para o ranking além da lista publicada e calculando como um amistoso com um país qualquer pode prejudicar sua média de pontos. Ou seja: eles estão evitando jogar partidas.

Se o ranking existisse apenas para prestígio, não seria um grande problema. O ponto é que esse ranking é usado pela FIFA para decidir sorteios e cabeças de chave em competições oficiais.

O The Set Pieces relembra que no sorteio das Eliminatórias da Copa do Mundo de 2014, País de Gales e as Ilhas Faroé estavam empatados na 112ª posição do ranking. Por algum motivo, o País de Gales estava listado acima e iria se beneficiar no sorteio entrando no pote 5 ao invés do último pote, para onde a seleção das Ilhas Faroé iria. Até que um estudante feroês achou aquilo estranho, pegou uma calculadora e descobriu que se o ranking fosse visto com casas decimais (na época não existiam), a seleção do país dele estaria 0.07 pontos a frente do País de Gales. O The Telegraph entrevistou o estudante e, claro, aquilo repercutiu dentro da FIFA que, então, trocou os países de lugar nos potes do sorteio e corrigiu o erro.

Mas a confusão parece ter marcado a seleção Galesa e eles passaram a prestar mais atenção na matemática do ranking. Nas atuais Eliminatórias europeias para a Copa de 2018, País de Gales é o cabeça de chave e atual líder do grupo D (acompanhado de Moldávia, Geórgia, Áustria e Irlanda, além da Sérvia), tendo ido do último pote na competição de 2014 para o primeiro em apenas 4 anos.

O ponto chave dessa mudança é que desde um amistoso contra a Holanda, em Junho de 2014, a seleção galesa ficou incríveis 17 meses sem jogar qualquer outra partida não competitiva. Então, em Julho de 2015 – evitando os pontos de amistosos – País de Gales entrou no top 10 do ranking mundial da FIFA pela primeira vez na história. Enquanto a imprensa se perguntava como essa ascensão meteórica aconteceu (do 117º lugar para o 10º em quatro anos), a seleção de Gareth Bale se aproveitava de um lugar privilegiado no sorteio das Eliminatórias.

A variação das posições no ranking antes do sorteio das Eliminatórias
A variação das posições no ranking antes do sorteio das Eliminatórias

A Romênia fez algo parecido, limpando seu calendário de jogos não oficiais, competindo apenas nos qualifiers da Euro 2016 e jogando um amistoso pouco prejudicial contra a Dinamarca (uma vitória de 2×0).

É claro que isso não tira os méritos conseguidos em campo. A Romênia passou invicta pela fase classificatória da Euro 2016 sofrendo apenas dois gols e País de Gales foi ainda mais longe alcançando as semifinais da competição, sendo derrotada pela campeã Portugal. Mas a estratégia mostra como é possível tirar vantagem competitiva com inteligência e análise.

Ambos, Romênia e País de Gales, foram cabeças de chave dos grupos das Eliminatórias, deixando no pote 2 seleções como França e Itália que, então, caíram nos grupos de Holanda e Espanha, respectivamente. Certamente, França e Itália queriam estar em grupos como os que País de Gales e Romênia jogam agora, mas a inteligência de seleções menores mudou a lógica.

 

Os Grupos de Romênia e País de Gales nas Eliminatórias
Os Grupos de Romênia e País de Gales nas Eliminatórias

Essas seleções talvez nem tenham sido as primeiras a fazer isso. No ciclo da Copa de 2014, a Suíça jogou apenas 3 amistosos em quase 5 anos (incluindo uma vitória sobre o Brasil de Felipão com um gol contra de Daniel Alves). Nesse período, a Suíça alcançou o sétimo lugar do ranking e entrou no pote 1 do sorteio da Copa do Mundo de 2014.

Com melhor planejamento, Holanda (oitava), Itália (nona) e Inglaterra (décima) poderiam facilmente ter roubado o lugar precioso da Suíça no sorteio, mas as duas primeiras se suicidaram no ranking jogando amistosos contra Indonesia, San Marino e Haiti em 2013. Os cinco amistosos da Inglaterra no ano anterior à Copa também custaram a posição no pote 1, que poderia ter sido alcançada cancelando apenas um amistoso. Nem uma vitória e um empate contra o Brasil ajudaram. Poderia ter feito diferença na Copa cair em um grupo com Equador e Honduras ao invés de ter sido eliminada na primeira fase no grupo da morte que classificou Costa Rica e Uruguai e mandou ingleses e italianos para casa.

É óbvio que amistosos são importantes para testar novos jogadores, esquemas e ideias. Também é óbvio que eles valem muito dinheiro para as seleções tradicionais. Mas, ao mesmo tempo, é impensável que as federações de futebol não estejam considerando o peso que uma série de amistosos sem sentido têm na competitividade das suas seleções. A conquista da Copa de 2018 pode começar na calculadora.
 

Crédito da imagem em destaque: goal.com

 

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