O tribalismo no mundo corporativo

Recentemente, a empresa em que eu trabalho, a Webmotors, passou a trabalhar em células. A estrutura tradicional, em que cada diretoria tem sua equipe reunida num determinado espaço, deu lugar agora a células multidisciplinares. O cara do Marketing com o cara de Produtos, com o cara de TI, com o cara Comercial, tudo junto e misturado. A ideia é essa mesmo: juntar todo mundo que pode ajudar a resolver problemas similares e dar, assim, agilidade ao processo.

Assim que as discussões sobre esse esquema de células começaram a rolar, me lembrei de um capítulo do – excelente – livro “A Conquista Social da Terra”, do biólogo Edward Wilson, que fala do tribalismo como um traço humano fundamental.

Segundo Wilson – que não é aquela bola amiga do Tom – formar grupos e defendê-los com entusiasmo contra os rivais é um dos comportamentos absolutos da natureza humana. E, apesar de a gente se achar muito evoluído, os grupos modernos são psicologicamente equivalentes às tribos pré-históricas. As pessoas ainda precisam de uma tribo, de um time seleto pra chamar de seu. A tribo delimita nosso papel num mundo caótico, ela dá sentido à nossa existência. Ela nos deixa mais seguros, porque a gente sabe a quem recorrer quando rola aquela tela azul ou aquela treta. As torcidas organizadas são um ótimo (leia-se péssimo) exemplo desse sentimento coletivo, de pertencimento. Caras pintadas e fardas trajadas são os signos desse fenômeno.

Nós, humanos do século XXI, pertencemos a muitas tribos – família, amigos, colegas de trabalho etc. A vida é um emaranhado dessas tribos, que formam um complexo ecossistema de relações. Cada tribo tem sua própria gestão e autonomia. E nós, sabidos que somos, buscamos sempre pertencer àquelas que vão ganhar a maior parte das disputas e nos gerar o maior bem-estar.

Um dado muito interessante para as empresas usarem é que, ao contrário do que pode parecer, os estudos mostram que mesmo em grupos formados aleatoriamente os integrantes têm uma enorme tendência em defender o seu em detrimento do outro. A gente defende nossa tribo contra as rivais – a gente é parça. Como diz a pensadora contemporânea Valesca Popozuda – com muita razão – nós desejamos “a-todas-inimiga-vida longa-pra-que-elas-veja-cada-dia-mais-nossa-vitória”. Mesmo que as “inimiga” tenham sido definidas aleatoriamente.

Apesar disso, desde os primeiros momentos da nossa vida, recebemos insumos que vão definir nossas preferências. Segundo Wilson, já na pré-escola, as crianças preferem se aproximar de outras que falem a mesma língua, por exemplo. Mesmo quando podem escolher sem culpa, os indivíduos preferem a companhia de outros com alguma similaridade, seja ela de raça, religião, nacionalidade, time do coração ou banda preferida.

Saber disso é um trunfo. Podemos usar essa informação tanto para estimular o ambiente de pertencimento a uma célula específica e, em consequência, de competição entre elas, quanto para tentar amenizar os impulsos discriminatórios e violentos que possam florescer a partir desse traço tribal.

Nota: as constatações científicas nos dão, quase sempre, insumos ambivalentes. O uso argumentativo deles é por nossa conta. Para exemplificar isso, Richard Dawkings, em seu clássico “Deus, um delírio”, diz que se a ciência descobrisse evidências de que Deus teria nascido, de fato, de mãe virgem, como diz a Bíblia, a Igreja se agarraria a elas para fortalecer um dos seus principais pilares: o milagre. Enquanto não há evidências desses acontecimentos extraordinários, ela prefere desmerecer a ciência e reforçar a ideia de que fé não se discute. É tipo o time de futebol que desqualifica o campeonato que ele nunca ganha, até ele ganhar.

As empresas que pretendem trabalhar em células multidisciplinares precisam considerar o traço tribal humano. É razoável pensar que o perfil das pessoas de uma mesma área seja similar. Os caras do marketing são dexcolados, dão umas viajadas, chegam depois das 10h. Os caras do TI são nerds, quietos e jogam CS na hora do almoço. Os caras do Comercial só não vendem a mãe porque o pai, que é de RH, não deixa. E é isso que difere o modelo de células do modelo tradicional. As células multidisciplinares reúnem gente de diferentes formações, origens e modelos mentais. São grupos que não necessariamente se reuniram por afinidade, mas foram colocados juntos em dado momento com um propósito comum.

As analogias com as guerras tribais e disputas por território ou comida despertam o instinto natural humano e proporcionam um “espírito guerreiro” – puramente simbólico, por favor – que pode contribuir muito para “unificar o grupo” e ajudar no atingimento dos objetivos estabelecidos para a célula, assim como no passado garantiam a sobrevivência da tribo.

Além do propósito em si, que precisa ser muito bem definido, de preferência com a participação dos elementos do grupo, é preciso, portanto, estimular o sentimento de pertencimento e identificação pra gerar engajamento. Um nome, uma bandeira, uma identidade, um uniforme, um grito de guerra, um hino, uma cor, um corte de cabelo exótico – um pouco exagerado, talvez – todas são maneiras interessantes de se fazer isso.

O desafio é criar um ambiente igualmente competitivo e colaborativo entre as células, suficiente para originar inovações e impulsionar os negócios, como, no passado, impulsionaram a evolução da espécie humana até o que somos hoje, esses seres fofos e providos da mais alta inteligência.

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