O poder e a arte

Historiadores e acadêmicos políticos tendem a esperar o tempo certo para terem a distância histórica necessária e avaliarem, com todo o rigor científico necessário, um político e seu legado. Como não sou uma coisa, nem outra (meu mestrado é em ciências da computação), prefiro aproveitar este último dia de presidência de Obama para compartilhar minha impressão pessoal.

Confesso que não sei que tipo de política implementada por ele será bem avaliada como parte de seu legado; ou como ele influenciou o cargo que ocupou; ou mesmo como irá se distinguir na história presidencial norte-americana. Em minha opinião, o que mais chama a atenção a respeito da presidência Obama é a forma como ele se relacionou com as artes. Sempre disposto a dialogar, não se furtou a participar de podcasts, promoveu concertos de jazz na Casa Branca, trocou ideias com escritores, como Marilynne Robinson em uma entrevista memorável publicada pela New York Review of Books, além de incontáveis almoços com músicos e artistas em geral.

Obama parece ter entendido o poder da arte e quis compartilhar este entendimento com, literalmente, o mundo todo. E o fez, com um senso de respeito, profissionalismo e reverência que revela bastante a respeito de sua própria personalidade. Penso que um exemplo que “tangibiliza” isto, foi a participação de Aretha Franklin, cantando (You Make Me Feel Like) A Natural Woman no evento promovido pelo Kennedy Center Honors em 2015, em que o presidente e a primeira-dama compareceram e em que uma das homenageadas foi a cantora e compositora Carole King (uma das autoras da canção em questão). No vídeo, é possível ver a homenageada surpresa e extremamente feliz e o presidente visivelmente emocionado. As imagens dizem muito, mas o exemplo ao qual me refiro se trata do perfil de Aretha Franklin, publicada na revista New Yorker alguns meses depois. O autor do artigo, David Remnick, enviou um e-mail a Obama pedindo um comentário a respeito da citada performance da perfilada. A resposta (na minha tradução):

“Ninguém incorpora de forma mais plena a conexão entre o espírito afro-americano, o blues, o R & B, o rock and roll – no sentido de expressar o modo como as dificuldades e tristezas se transformam em algo cheio de beleza, vitalidade e esperança.”

E continua:

“A história americana cresce quando Aretha canta. É por isso que, quando ela se senta no piano e canta ‘A Natural Woman’, me comove até as lágrimas – da mesma forma que a versão de Ray Charles para ‘America the Beautiful’ sempre será, na minha opinião, a música mais patriótica de todos os tempos – porque capta a plenitude da experiência americana, a visão tanto de quem está por baixo, quanto por cima, o bom e o mau, e a possibilidade de síntese, reconciliação e transcendência”.

Remnick, um profissional experiente, pediu um comentário a Obama porque sabia que este entregaria mais do que o pedido. Era como se soubesse que, ao pedir por 10 centavos, o presidente entregaria 1 dolar. Não porque quisesse ludibriar o outro, mas porque dado o interesse, conhecimento e respeito do presidente pela cultura de seu país, este não conseguiria fazer menos do que a sua capacidade permitia.

Chamo a atenção para a última frase. Obama me dá a impressão de que é o pai que muita criança gostaria que fosse o seu e isto, para mim, é uma forma de avaliar se uma pessoa está apta para a liderança (você gostaria de ter crescido convivendo com ela). Ele me parece ter entendido a importância da cultura como espelho, janela, válvula de escape e alimento para a mente. Seus interesses culturais são variados por conta de uma característica pessoal que conta mais a favor do que contra: ser aberto. Sua mente é aberta, assim como seu coração e braços para todas as formas de excelência (não apenas culturais).

Como que para reafirmar um ponto, me despeço com o próprio presidente cantando “Amazing Grace” no memorial em homenagem às vítimas do massacre da igreja de Charleston. É possível perceber que ele canta não porque acha bonita sua voz de barítono. Mas porque, assim como eu e tanta gente em alguns momentos cantamos, esta é a única maneira de se expressar um determinado sentimento. Se canta porque se tem que cantar. Esta não é uma sensação que se procura, é ela que te encontra.

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