A encrenca do intercâmbio

Tudo começa no dia da ida. Você acorda, vê suas malas todas arrumadas, olha para seus pais, toma o último café, manda as últimas mensagens, olha pela última vez pela janela do quarto. É, lembro como fosse hoje. Esse dia é um dos mais incríveis. O dia que você tem a certeza de que aquilo que esparava há um tempo, talvez anos, vai acontecer. Aquele frio na barriga que não sentia há anos, toma conta do seu corpo com uma intensidade difícil de entender. É até distante tentar explicar, talvez seja como o primeiro dia na escola quando criança, ou até mesmo a sensação que se tem segundos antes de beijar o grande amor da sua vida.

Em pouco tempo você estará dando tchau a seus pais, amigos, familiares, de frente para à porta de embarque. A mesma que você já imaginava. Talvez não seja a mesma dos seus sonhos, mas naquele momento o que importa é que ela o levará ao mesmo destino. Lugar esse onde conhecerá gente de tudo quanto é tipo, onde vai viver momentos que você não tinha ideia que um dia viveria. Por mais que você chore ao abraçar seus pais antes de ir, não será de tristeza, você estará em êxtase, sentindo um negócio novo. E isso te fará se sentir um filho da puta, porque vai entender que o choro que sái dos seus olhos é diferente do que sái dos que ficarão. Você quer ir, que atravessar aquele portão e chegar logo. Chegar num lugar que você não tem ideia de como é. Você vai dizer adeus, dar o último abraço, dizer o quanto os ama e dará as costas. Isso é tão excitante.

Vai por o primeiro pé no avião, vai dar um “Oi” entusiasmado para a comissária, vai sentar a bunda no assento, dar uma olhada nos filmes que estarão a disposição, e por mais Oscar’s que tenham levado, não ganharão sua atenção. Outros dois filmes tomarão conta da sua cabeça: o primeiro que contará sua história desde crianca até aquele exato momento e um outro que não passará de hipóteses, fazendo sua imaginacao trabalhar como nunca antes. Assim que acabar de ver os dois filmes, vai ter vontade de cutucar a pessoa do lado para contá-los. Na sua cabeça, o primeiro não será digno de Oscar, talvez uns prêmios menores. Já o segundo sim, esse vai levar tudo. Mal sabe, mas vai mesmo. Vai te levar a outro patamar. Vai fazer se sentir a pessoa mais carajosa do mundo. E aí que mora o problema, você vai descobrir o quão longe pode ir, o quanto tempo gastou pensando se aquela era a decisão mais certa.

Você vai perceber o valor de muita coisa. Vai fazer o trabalho que não faria aqui, vai fazer grandes amizades, vai viver em condições inexplicáveis nas quais nunca fariam parte na sua antiga vida. E digo mais, terá orgulho em encher a boca para contar aos outros. Vai acordar sem saber o que está por vir, sem saber o final do dia. Você vai ficar assustado como os dias voam, como eles passam mais rápidos que os anteriores. Ao invés de contar os dias para o final de semana, vai descobrir que naquele lugar os dias são contados ao contrário. Vai entender que o pior não é que o próximo final de semana está longe, e sim, que os dias que se foram simplesmente não voltam mais. Na verdade, muitas vezes você precisará checar no celular se é uma segunda ou um sábado. A sensação é que naquele lugar os sábados se multiplicam e roubam o lugar de qualquer outro dia da semana. Me corrigam se eu estiver errado, vocês sabem que isso acontece! Isso é tão excitante. Que foda-se o dia, seu amigo de quarto vai chegar com qualquer história merda para contar, trazendo uma caixa enorme de cerveja barata e uma pizza congelada para vocês dividirem. E vai ser só uma terã-feira. Que tesão, isso é de verdade. Acontece mesmo.

Vai descobrir que viajar nem é tão difícil assim. Aliás, é tão fácil que hora ou outra estará com fotos de um outro país no gatilhe para postar no Instagram, porém pensará mais de uma vez ao fazer, com medo dos unfollows que poderão vir. Pra falar a verdade, pau no cú dos filhos da puta que fazem isso. Desses não gosto nem de comentar, acham que o dinheiro do hostel ou da passagem que você comprou, brotou do cú. Infelizes.

As dificuldades virão também. Vai pensar que o inglês não está melhorando. Vai sentir dor nas costas de ter que fazer o trabalho sujo que nunca passou pela sua cabeça que faria um dia. A saudade vai bater forte ao ver fotos de todos seus amigos juntos no último aniversário do seu melhor amigo. É difícil também, mas como comentei há pouco, sempre terá um grande filho da puta do lado para você chorar as mágoas, encher a cara e dizer a falta que algumas coisas fazem. E posso falar? As dores naquele lugar passam rápido, porque sempre terá alguém do seu lado para lembrar a quantidade de coisas fodas que ali acontecem. Acreditem. Vai passar.

Você vai presenciar momentos memoráveis. Vai descobrir que ali as coisas acontecem. Que você é um monstro e pode tudo. Vai entender que o caos te pertence. Que ele te faz bem.

Vai dar risada das coisas que está com vontade de fazer. Vai dar risada em imaginar a reação dos seus pais quando contar o lugar que está pensando em ir. Vai se excitar em ouvir o quão louco você parecer ser. E mais, vai fazer de tudo para elevar esse grau de loucura. Você vai ver.

Acontece que, por mais incrível que seja, por algum motivo você vai saber a hora de voltar. Seja por causa de família, carreira, ou qualquer outra coisa, todos estamos fadados a isso. Talvez você nem queira tanto voltar, vai mentir para os que perguntarem se está seguro com a decisão. Você até estará feliz, porque sabe que reencontrará um monte de coisas que te fazem bem, mas é uma felicidade bem diferente comparada aquela de um ano atrás.

Vai entrar no avião com sorriso no rosto com a sensação de que cumpriu a missão. Que teve um dos melhores e mais perturbadores anos da sua vida. Que foi atrás de encrenca e saiu salvo de todas elas. Vai sentar no assento de novo, onde deixará algumas lágrimas logo após cair a ficha de que aquilo chegou ao fim. Vai cagar de novo para os filmes que estarão a disposição, porque o filme que você escreveu será mais interessante. Você vai de lá até aqui com ele na cabeça, assistindo repetitivamente. Só vai parar quando ouvir o aviso que falta apenas dez minutos para o pouso. Vai estudar em cima da hora como se comportar diante de seus pais e amigos. Não é fácil. Vai sair do avião, pegar suas malas e caminhar até a saída. Vai parar no banheiro, olhar para o mesmo espelho de um ano atrás e perceber o quão diferente você está. Se você fuma, vai procurar qualquer lugar para dar umas tragadas, mas provavelmente não vai encontrar. Então, o único jeito é ir logo e acabar com aquela espera. Vai abraçar quem estiver lá. Deixarão que lágrimas saiam de vocês. E vai perceber que novamente as lágrimas serão diferentes. As de lá por causa da sua volta e as de cá por medo de não saber como vai ser.

Vai entrar em casa, ir para o quarto, deitar naquela cama, a melhor cama. Vai olhar pela mesma janela e lembrar da última olhada de um ano atrás. Vai passar uma semana comendo igual um desgraçado. Vai beber igual um bicho com seus amigos. Vai começar a procurar emprego. Vai começar a julgar o quão atrasado é seu país em relação a caralhada de outros que conheceu. Vai se sentir deprimido de perceber que aqueles imbecis que você aprendeu a amar não estarão dividindo mais o mesmo sofá ou as mesmas cervejas com você. Vai chegar até a se arrepender, mas alguém de lá vai lembrar a quantidade de coisas fodas que você fará por aqui. Mas talvez não seja suficiente, porque você já estará se sentindo um viciado em abstinência. É isso que o intercâmbio causa: você é exposto a algo novo, experimenta, começa a gostar, aos poucos aumenta a dose, e de repente, aquilo já faz parte de você. Fica no sangue, é difícil de tirar.

Vai começar a entender que aquele novo que fazia parte da sua vida sem você procurar, não existe mais. Vai perceber que aqui, você tem que ir atrás do novo, tem que se empenhar para manter esse vício. Vai ter que suar.

Mas você vai conseguir, porque esse vício não é como os outros, ele não só te joga para frente como te arremessa com força. Faz você resgatar aquele mesmo monstro a qualquer momento. Te faz encontrar energias de lugares que você nunca imaginaria que existiam.

Por favor, acreditem em mim. Vocês precisam experimentar. Se viciem. É a melhor das drogas.

Bom, nos vemos por aí. Quem sabe na Rehab logo ali.

Amo vocês.

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