O som do inevitável

“You hear that Mr. Anderson?… That is the sound of inevitability…
It is the sound of your death…”

Essa fala está na icônica cena de Matrix, quando o agente Smith sufoca Neo sobre os trilhos do metrô, oferecendo a ele o que seria a sua sentença de morte. O som metálico do trem que se aproxima, jogando luz sobre os rostos dos personagens mostra a verdadeira expressão do que estamos vivendo nesse exato momento, como um déjà-vu que assombra a história humana. As coisas mudam, e quem não percebe as mudanças, inevitavelmente, vai experimentar algum tipo de morte.

A alegoria do filme nos mostra um personagem que ainda não acreditava em seu próprio poder, por não acreditar em si mesmo e não aceitar sua identidade. Quem assistiu sabe o que Keanu Reeves responde ao seu pretenso algoz. Se olharmos para trás, percebemos que as esquinas da história estão repletas de cenas semelhantes à essa. A pressão do sistema nos intimida até o limite de nossa reinvenção. Como Nietzsche costumava dizer, “um povo consciente de seus riscos gera o gênio”, ou seja, em momentos de grande aflição e desespero a humildade sempre foi capaz de reescrever o seu próprio destino.

O inevitável é o convergente fluxo de mudanças que caminha na direção da humanidade, retroalimentado por sua insaciável curiosidade que, invariavelmente, a coloca em risco de tempos em tempos. Esse pêndulo entre guerra e paz, talvez, seja o motor que nos mova para um futuro povoado de realidades que nos assusta por sua própria natureza, mas que não deixam de colorir os sonhos daqueles que, mesmo não tendo ainda descoberto ou assumido sua verdadeira identidade, continuam seguindo o caminho da descoberta. Esses serão sufocados até o limite de suas capacidades, para dar à luz um jeito novo de encarar o mundo.

Esse atual presente, uma esquina em que o mundo caminha para se conectar completamente, nos coloca numa posição de extremo risco. Todas as rupturas ocorridas na linha de tempo do mundo ocorreram, em sua grande maioria, porque as pessoas começaram a trocar ideias. A colaborar. A se proteger e dividir informações. Nada do que temos hoje como legado seria possível se o conhecimento não fosse compartilhado. O detalhe é que havia limites físicos, técnicos, sociais, políticos, etc. blá, blá, blá… Hoje, tais questões perdem sua força diante da onipotente, onisciente e onipresente força da Internet. Com todos conectados, quantas esquinas simultâneas seremos capazes criar com tal poder em mãos?

Kevin Kelly, em seu livro Inevitável (editora HSM), diz que Eterno Novato é o novo padrão para todos nós, “independente de idade ou experiência”. Para ele, na era do “tornar-se”, todo mundo torna-se um novato, e que seremos novatos para sempre. “Isso deveria ser o bastante para nos manter humildes”, declara. Neo em latin quer dizer novato, neófito, novo. Em uma era que muda rapidamente, exigindo aprendizado contínuo, seremos novatos o tempo todo. O desafio é não se deixar ser capturado pelos “agentes”, distrações e comodidades, que insistem em nos perseguir, com o objetivo de anular nossa identidade, para nos reconectar à Matrix, onde teremos uma vida tranquila, já que ela toma todas as decisões por nós, cobrando apenas a irrisória compensação de poder nos sugar a preciosa energia de nossos corpos.

Abraham Lincoln marcou seu tempo, não por acaso. O ex-presidente americano, à respeito da crise que viviam, disse em um de seus memoráveis discursos: “Como nosso caso é novo, devemos pensar de novas maneiras e agir de outros modos, devemos nos descativar e então devemos salvar nosso país”. O inevitável nos obriga a começar de novo. Em uma de suas palestras no TED, em 2010, o educador britânico Sir Ken Robinson afirmou que muitas de nossas ideias têm sido formadas, não para atender às circunstâncias desse século, “mas para superar as circunstâncias de séculos anteriores”. A tecnologia reage às manifestações de nossa busca como seres que não cabem no lugar onde estão. O planeta tornou-se pequeno para o ego humano. Ainda bem que o universo, teoricamente, é infinito.

A curiosidade humana destruiu distâncias com a roda e suas derivações, tornou eterno o pensamento com a invenção da escrita, transformou o ato de cozinhar algo esplêndido com a manipulação do fogo e revolucionou completamente o mundo com a criação da matemática. Todas essas tecnologias nasceram da busca por significado, por uma jornada rumo ao sentido da vida. Quanto mais o animal consciente humano descobria, maior tornava-se sua vontade de ir além. Veja só, para atingir 50 milhões de usuários o rádio levou 38 anos; a televisão levou 13 anos e a internet, quatro anos. Já o Facebook, criado em 2006, levou apenas oito meses para atingir este número. Sucessos musicais no Youtube já ultrapassam fácil a marca de 2,5 bilhões de visualizações, algo impensável há pouco tempo. A tecnologia é a face da onda que colide sobre nós, continuamente, parecendo ser futuro, mas, na realidade, é apenas o inquieto passado se ajeitando confortavelmente neste, improvável, porém, inevitável presente.

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