A “modinha” da comida saudável está transformando o varejo

Boi criado no pasto, tomate sem agrotóxico, glúten-lactose-corante-conservante-free. Era frescura, virou modinha, depois tendência e, você aderindo ou não, realidade. A ponto de duas semanas atrás, Jeff Bezos (ou “o cara da Amazon”) comprar a Whole Foods, rede americana de supermercados focados em alimentação saudável, por U$ 13,7 bilhões – sim, BILHÕES. A ponto da movimentação sair dos mercados de rua e feirinhas de bairro para entrar forte no pensamento das redes de supermercados populares. Grandes e pequenas. Lá fora e aqui também.

Muda o comportamento de consumo, mudam os negócios – às vezes o inverso também é verdadeiro, mas, no caso citado, é questão de pura sobrevivência. E se você parar para perceber, esse movimento no Brasil já está maior do que pode parecer. Sempre começa no ponto mais alto, como casos de Eataly e Empório Frutaria. Agora, Pão de Açúcar, Carrefour e até os mais básicos já tem ao menos um departamento dedicado à “comida de verdade”.

Semana passada, conversei com Philippe De Mareilhac, CEO global da Market Value, especialista em design e arquitetura de varejo do grupo francês Team Creátif, que frequentemente visita a operação brasileira para estudar o mercado local e trazer, para os clientes daqui, as tendências que estão dando certo na Europa. No papo, Philippe separou seis tendências que estão se consolidando por lá e já são vistos e aplicados com sucesso por aqui. E que, acredite: vão estar em todo lugar em breve.

 

1- Orgânico é básico

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Segmentação da segmentação: rede do Casino especializada em orgânico, Natualia, lançando mini-rede especializada em comida vegana

Foi-se o tempo em que oferecer opções orgânicas era um diferencial. Agora, no mercado de alimentos, você é praticamente obrigado a ter ao menos uma boa opção nesse sentido. O futuro é ter o orgânico mais nichado ainda, numa super segmentação.

“Nos últimos cinco anos, vimos a procura por alimentos orgânicos crescer muito. Agora, porém, ela não é mais tendência, e sim o básico. O que vemos hoje na Europa é que temos mais e mais segmentos baseados nela. O Casino (rede francesa que controla o Pão de Açúcar no Brasil), por exemplo, tem uma marca própria lá chamada Naturalia, só de alimentos orgânicos. Agora, ela mesmo lançou na Naturalia Vegan, para agradar orgânicos e veganos. A saúde é a chave central, com as empresas desenvolvendo novos categorias abaixo dela”, explica Philippe.

 

2- Produção local

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Açougue da loja conceito do Carrefour, em São Paulo, destaca que acompanha carne do produtor à gôndola

Até pouco tempo, só queríamos matar a fome. Atualmente, qualquer embalagem traz um QR code que ajuda a encontrar a procedência do produto. E se você não faz, pode ter certeza que muita gente define escolha pela localização de sua produção – seja por ser nacional, seja “o mais próximo possível”.

“A Europa sempre teve um pouco disso, mas agora é latente. Muitos mercados colocam em destaque quando seus produtos são cultivados há não mais que 20 quilômetros das lojas onde são vendidos. As pessoas querem saber não só se tudo é saudável, mas a procedência, e de preferência o mais fresco possível, dando valor ao produtor local. E aí entra até uma questão ecológica: menos transporte, menos combustível gasto etc. Isso influencia na comunicação interna e externa do varejo”, garante.

 

3- Homemade

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Rede Metro, na Alemanha, cultivando e oferecendo ervas aos clientes ali mesmo, na prateleira

Feito em casa é melhor. Ou pelo menos “do jeitinho que minha vó fazia”. Outra coisa que era moda e agora é commodity.

“Já são tradicionais na Europa as cozinhas abertas, onde você vê seu prato sendo preparado, dos ingredientes ao procedimento total. Isso era normal com pizza, agora está em todo lugar: inclusive nos supermercados! Menos produtos industrializados, mais elementos caseiros, naturais, exclusivos. No Carrefour da Rua Pamplona (loja conceito da rede), aqui em São Paulo, montamos um workshop de padaria e um sushi bar com peças preparadas na hora, na frente do consumidor, seguindo essa tendência. Ano passado, a varejista Metro implementou na Alemanha um projeto com mini estufas para produzir ali mesmo alguma quantidade de ervas como manjericão, coentro e hortelã, disponíveis aos clientes. E foi um enorme sucesso!”, exemplifica o executivo.

 

4- “Corners”

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Cantinho da “pasta fresca”, no Eataly, para quem curte massa, artesanal e feita na hora

Se antes havia prateleiras especializadas, depois seções, prepare-se para ambientes inteiros com decoração e produtos baseados em uma especialidade. Talvez até no mercadinho do bairro…

“Já há algum tempo, os varejistas têm montado pequenos corners de produtos orgânicos, frescos ou algo parecido. Mais recentemente, você pega um exemplo como o do Eately, onde existe o “Corner do Queijo”, o “Corner do Cogumelo” e assim vai. Tudo está ficando mais específico. Se você vai no Chelsea Food Market, em Nova York, tudo está dividido em pequenos cantos de especialidades. E antes era só em feiras livres. Agora, os grandes varejistas não só estão fazendo o mesmo, como precisam se adequar a essa realidade. Frescor, qualidade e know-how”, acrescenta.

 

5- Food entertainment

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Cada vez mais restaurantes brasileiros oferecem performances de finalizar o prato na mesa

Macarrão feito na mesa, raclete, “food porn”. Depois da enxurrada de MasterChefs na televisão e com a enorme procura por vídeos de receita, dos mais toscos aos mais bem produzidos, essa transformação de comida em entretenimento chega também ao ponto de venda.

“A comida virou entretenimento. Não só nos programas de TV e nas casas das pessoas, mas no varejo também. Os restaurantes, as lojas, todos estão montando experiências que vão além de simplesmente oferecer comida. Não é só preparar na frente do cliente, mas todo um ritual para isso. E fazer o cliente se sentir parte disso – seja na loja, seja em casa. Mais uma vez, o Eataly é um grande exemplo disso. Visitar a loja é um programa por si”, destaca o especialista.

 

6- Sem desperdício

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Empório Frutaria é uma das redes que oferece uma série de produtos a granel: novos velhos tempos

Pode ser por consciência ambiental, social ou pelo bolso, mas cada vez menos o brasileiro quer desperdiçar qualquer coisa. Comida, então? Sem chance! O mercado de embalagens tem um enorme desafio nesse sentido, mas o varejo também! Prepare-se para fazer mais e mais compras como nossos avós, com direito a saquinho pardo e balança. Saber o que oferecer, como oferecer e o quanto oferecer passa a ser tão importante quanto a qualidade e a procedência.

“Menos embalagens, menos rótulos, menos desperdício. Na Europa, a venda de produtos a granel voltou a ser extremamente popular, mesmo para produtos que não eram vendidos assim tradicionalmente. Em muitos lugares, você leva sua própria garrafa de uísque e paga para enchê-la, em vez de comprar uma nova. Com o azeite, a mesma coisa”, revela o CEO da Market Value.

 

Muito disso começou com green wash – aquele famoso “fingir que se importa com o planeta e a sociedade para fazer média”. Agora, porém, as empresas (ou sua maioria) aprenderam que se não for de verdade, o público percebe ou descobre, e o prejuízo é maior. E se não fizer, vai ficar para trás. “Não é nada simples, mas se não começarem, os hipermercados e gigantes do varejo vão certamente despencar. Sem dúvida, é uma revolução para empresas como Casino, Carrefour e outras que vêm num mesmo modelo há tantos anos, mas é uma realidade global. Tudo está mudando”, conclui Philippe.

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