Uma criança cria melhor que a gente

Eu não tirava férias há um bom tempo e consegui 10 dias em Porto Seguro, quando Porto Seguro era seguro. Foi na década de 80.

No aeroporto de Congonhas me senti aliviado. Tinha deixado atrás de mim um cansaço ancestral, algumas pendências encaminhadas para minha equipe resolver e uma série de roteiros de TV e cinema para o lançamento do Ronald McDonald & sua Turma no Brasil, já pré-aprovados pelo Cliente, prontos para entrarem em produção pela TVC.

De repente, depois de poucos dias de sol e praia com minha então mulher e duas filhas pequenas (Marina com 3 anos, Luciana com 2 anos), surge o Dodi ao telefone, também conhecido como Dorian Taterka, grande diretor de cinema.

A conta do McDonald’a era nossa, da McCann, mas o Dodi era quem deitava e rolava, interferindo na criação e produzindo brilhantemente as campanhas. Funcionava por default tácito, avalizado e sacramentado pelo então presidente do cliente, Greg Ryan.

E não é que o Dodi me ligou pra dizer que, pensando bem e todos juntos, ele e cliente, aqueles roteiros que eu havia deixado haviam sido reprovados posteriormente, na minha ausência?

Eu teria que voltar, ser re-brifado e criar novos roteiros pra introduzir a figura do Ronald McDonald & sua Turma no Brasil. Eu perderia meus poucos dias de férias.

Eu disse que queria ser re-brifado por telefone e/ou por fax, pra voltar a São Paulo e apresentar novas ideias em alguns dias. Nunca recebi novo briefing, mas fui criando.

A partir do bom senso meu e do ótimo senso das minhas filhas. Afinal, elas eram o verdadeiro público-alvo do Ronald McDonald & sua Turma.

Durante o dia, na praia, eu ia pensando em roteiros e anotando num caderno. Eram várias ideias debaixo daquele sol e daquelas caipirinhas. À noite, depois do jantar, eu contava para as minhas filhas, deitadinhas numa rede da varanda, cada uma das histórias que eu havia pensado na praia. Mas eu contava como se fossem histórias infantis mesmo, não como roteiros publicitários.

Depois eu colocava minhas filhas na cama, elas já quase dormindo, e eu começava a trabalhar nas histórias de que elas tinham mais gostado, jogando fora as histórias que elas não curtiram. Passei a transformar esses contos infantis em roteiros de publicidade.

Esse exercício resultou em muitas ideias ótimas, dentro da estratégia, no foco e, digamos, já pré-testadas com minhas filhas, coautoras.

Uma ideia foi exemplar, porque partiu da minha filha Marina, então com 3 anos. Era sobre o Papa-Búrguer, um ladrão de hambúrguer, personagem da Turma do Ronald McDonald. Um cara aparentemente do Mal, mas boa gente, ele só queria também comer um hambúrguer do McDonald’s. O Papa-Búrguer era louco por um hambúrguer do McDonald’s!

Minha história era assim: a turma ia fazer um pic-nic na Floresta Encantada do Ronald, o Papa-Búrguer se escondia nas árvores para roubar os hambúrgueres.

A Turma descobria, pegava e amarrava o Papa-Búrguer numa árvore, enquanto todos devoravam o pic-nic farto em fritas, milk-shakes e hambúrgueres.

A história que minha filha Mariana recriou era baseada no fato que o Papa-Búrguer era um coitado, excluído da turma. E que o Ronald McDonald era um cara legal, do Bem.

Então, todos convidavam o Papa-Búrguer a compartilhar o pic-nic, afinal as delícias do McDonald’s eram para todos. Reescrevi o roteiro.

Peguei um monomotor que voava 10 metros acima da copa das árvores da Mata Atlântica do litoral sudeste e cheguei a São Paulo no dia da reunião, em cima da hora.

Todos os roteiros foram aprovados, entraram em produção. Eu peguei o mesmo avião de volta, no mesmo dia, pra poder curtir meus últimos momentos de férias com a família em Porto Seguro.

Semanas depois, levei a Marina nas filmagens daquele filme que ela havia criado, o do pic-nic da turma com o Papa-Búrguer. Era um cenário majestoso, que o Dodi havia construído nos estúdios da Vera Cruz, em São Bernardo.

Marina ficou em transe diante daquela Floresta Encantada do Ronald McDonald e, especialmente, quando viu o ator (Roney?) entrando em cena no papel de Ronald.

Eu peguei a Marina e seu transe no colo e perguntei: “Sabe o que é isso? É o seu filme, filha.” Ela respondeu: ”Não, pai, é o filme do Ronald McDonald, que é um cara muito legal.”

 

 

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