Mais que um atendimento ‘moderninho’. Um texto sobre Fintechs e como ganhar dinheiro COM o cliente, não DO cliente

Porque pensar na evolução dos serviços financeiros vai muito além de memes e piadinhas na comunicação com o atendimento ao cliente.

Confesso que, em se tratando de dinheiro, não me agrada quando a comunicação com uma instituição financeira parece um chat-pós-adolescente de Whatsapp (você deve saber sobre o que me refiro). Esta é uma opinião estritamente particular; muita gente adora, claro.

Perdoe este ogro mal amado (desculpe analista de atendimento do Banco Inter pelo tweet comentando isso) e deixe-me justificar porque pensar em “Fintech” vai muito, mas muito além de um ‘lacrou’ no chat de atendimento.

O atendimento engraçadinho que te manda memes pode ajudar a gerar empatia, espelhamento, bla bla, bla e fazer com que você “goste” da marca. Porém, existe o outro lado, dos carrancudos (oi!) que, no frigir dos ovos, gostam mesmo é de ver os resultados quantitativos, os números, a grana no bolso… O que tenho visto, porém, são operações surgidas como resposta às Fintechs que se preocupam mais em usar uma linguagem engraçadinha no atendimento ao cliente do que em oferecer um serviço que valha a pena.

E, deixe-me ser honesto contigo. Se você tivesse que escolher, preferiria receber um meme e perder dinheiro ou falar como ‘gente grande’ e ganhar mais dinheiro do que ganhava antes? Bom, cada um cada um… =) .

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Mas vamos aos fatos! O texto é longo, mas não há prolixidade, apenas um conjunto de situações entaladas na garganta de quem já perdeu ou deixou de ganhar muito dinheiro ao longo da vida.

Money que é good nóis num have…

Sempre gostei da frase “quem trabalha muito não tem tempo de ganhar dinheiro”. É uma clara provocação sobre a busca por fontes de renda alternativas ao habitual “9h/18h job cara-crachá”, o que inclui, por exemplo, o mercado de capitais (ganhar dinheiro com dinheiro; e não precisa ser filho do Eike Batista pra isso – embora ajudasse bastante).

O banco é (deveria ser) um facilitador e um intermediário de serviços financeiros; de um lado, pessoas com algum dinheiro (agente superavitário) depositam nele seus valores para poderem usufruí-lo periodicamente de maneira facilitada através dos seus cartões de débito/crédito, saques, pagamento de boletos, etc; de outro, pessoas ou empresas que desejam economizar tempo não tendo que esperar juntar valores para fazer algo (agente deficitário) emprestam dinheiro da instituição financeira para fazer o que bem quiserem: pagar dívidas, investir, gastar, enfim…

Em ambas as pontas, como parte do processo de intermediação, há pagamento de juros, que nada mais é do que o valor do dinheiro no tempo. Alguém paga juros quando faz um empréstimo porque decidiu – ou a vida decidiu, no caso de emergências – não esperar para juntar dinheiro por seus próprios meios para fazer algo. Assim, usa o dinheiro de alguém que não o gastou (“perdeu” tempo da vida não o usando) e, por isso, faz uma compensação, a tal da taxa de juros. “Tempo é dinheiro” é mais que um ditado, é uma lei da economia.

Este serviço de intermediação financeira é a principal fonte de receita de um banco. Grosso modo, ele “usa” o dinheiro de alguém que lá o depositou pagando um juros X e o re-empresta a outrem que precisa de dinheiro cobrando um juros “Y”.

A diferença entre Y e X é o que se chama spread bancário. É um modelo justo e que gera ganhos a todos: ao poupador, que é remunerado pelo tempo que fica sem usar seu dinheiro, ao tomador de empréstimo, pois ganha tempo para realizar investimentos ou sonhos de consumo e, nada mais justo, ao próprio banco como um facilitador desta conexão, já que seria muito difícil conciliar poupador e tomador de outra forma (modelos de empréstimo P2P – Peer-to-Peer ainda são escassos e/ou não oferecem lastro para gestão do risco. Falarei deles em outra oportunidade).

O spread funciona mais ou menos assim (valores hipotéticos porém significativos; design tosco, porém inteligível):

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O problema é que, no Brasil, o spread bancário é um dos maiores do mundo. Segundo o Banco Mundial, em 2016 ficamos com a medalha de bronze, atrás apenas de Madagascar e Malawi, chegando a 41,6% enquanto no resto do mundo sua média foi de 6,2%. Comparativamente, em 2015, China e Rússia apresentaram spreads de 2,9% e 6,5%, respectivamente, conforme uma análise do economista Samy Dana, doutor em administração, mestre em economia e professor da FGV, em São Paulo. Nesta mesma análise, é colocado que a taxa de inadimplência no país (além de outros fatores ligados a custo operacional e impostos) é um dos principais fatores para manutenção deste alto valor.

Ainda assim, um relatório da B3 (novo nome da BOVESPA, Bolsa de Valores de São Paulo) referente ao primeiro semestre do ano passado, mostrou que o setor bancário foi o que mais lucrou em comparação com o ano anterior (8,1% de crescimento, versus queda de 4% do mercado como um todo se considerarmos todas as empresas da B3).

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Neste cenário, e entendendo que, claramente, o spread bancário seria mais do que suficiente para cobrir inclusive as dificuldades próprias do país, começamos a nos questionar sobre uma série de serviços que pagamos a instituições financeiras, mesmo sendo superavitários, ou seja, “ajudando o banco a ganhar dinheiro” ao mantermos nossas economias lá depositadas/investidas para que ele possa emprestar a outros.

Quem quer dinheiro?!

O surgimento das Fintechs uniu este questionamento à otimização da operação graças a tecnologia e é a razão pela qual coloca os bancos em xeque, fazendo com que tentem adaptar seu modelo de negócios para este novo cenário (ex.: Banco Next, do Bradesco) ou adquirir quem está incomodando (ex.: 40% da XP Investimentos vendida ao Itaú, que pode ser questionada se é ou não uma Fintech, mas incorporou a desburocratização do trabalho de corretagem, assim como a Easynvest, tornando-o mais acessível e prático, qualidades que fazem parte da essência de uma Fintech).

Uma operação mais eficiente (graças à tecnologia e à revisão de processos) permite às Fintechs trabalharem com uma amplitude de spread menor e, ainda assim, ter um bom lucro.

Pegando a mesma figurinha anterior (ainda com valores hipotéticos porém significativos; ainda com design tosco, porém, inteligível):

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Esta otimização financeira – novamente, graças à tecnologia e à revisão/simplificação de processos –  permite gerar lucro sem ter que penalizar o cliente da ponta superavitária, ou seja, aquele que está justamente emprestando seu dinheiro para a instituição bancária e aceitando o spread.

Isso, meu amigo, vale muito mais que o “arrazow” ou “miga sua loka” do atendimento ao cliente.

Para simplificar, coloquei aqui apenas três “coisas que pagamos no mundo financeiro de besta que somos“:

1) Taxa de manutenção de conta

Se você tem seu dinheiro na Poupança (investimento mais popular do país, embora também o pior deles), você ganhou 0,5% de juros no último mês; ou seja, tinha R$ 100 dia primeiro e no fim do mês tinha R$ 100,50 (wow! Such profit! Much business!). Esses mesmos R$ 100,00 seus foram emprestados pelo banco a um cidadão que estourou o cheque especial, por descuido ou emergência, a uma taxa de juros que varia de 12,84% (Banco do Brasil) a 15,35% (Santander) – dados obtidos no site do Procon. A diferença entre os 12,84% cobrados pelo banco de quem emprestou e os 0,5% que ele te pagou, como já vimos, é o spread. Você ganhou R$ 0,50, o banco ganhou R$ 12,34 (ou, na pior das hipóteses, 27% disso).

A taxa de manutenção de conta é como se um amigo seu pedisse sua bicicleta emprestada para ele ir na padaria e te cobrasse R$ 20,00 por você ter emprestado a bicicleta pra ele. É isso.

Ou seja, você paga taxa de manutenção de conta? Mude de banco.

Quem está questionando isso: entre outros, Banco Neon, Banco Inter e o Nubank, este último caminhando nessa direção.

2) Anuidade de cartão de crédito

Sempre que você compra algo com seu cartão de crédito, aquele valor que você vê na maquininha é distribuído pela cadeia de fornecedores envolvidos no processo.

Indústria do cartão de crédito

Nesta cadeia que envolve, além do lojista e do comprador, um emissor do cartão (instituição financeira que lastreia a operação), um credenciador (dono da maquininha) e a bandeira (Visa, Mastercard, etc). Esta cadeia retém de 1,5% a 5% do valor de uma compra, ou seja, o emissor do cartão (instituição financeira) já ganha um percentual de todas as compras que você faz com o cartão emitido por ele.

Quanto mais você usa o cartão, melhor para toda a cadeia. Se você não o utilizar, tirando o fato de que estas empresas estão deixando de ganhar, nada acontece; não há um custo relevante associado à posse do cartão. As operadoras de cartão cobram a anuidade para gerar uma receita devido à incapacidade de estimular o consumidor a utilizar seu produto.

Vamos à analogia:

Na frente de casa tem um ponto de táxi; imagine que o taxista me cobra um valor cada vez que passo na frente do ponto para ir até o metrô (algumas quadras à frente); afinal, o táxi está ali à minha disposição.

Eu gosto de ter o ponto de taxi próximo, é prático, é fácil para quando eu precisar, se quiser usá-lo. Porém, voltando à discussão financeira, por que, ao invés de penalizar o cliente que não utiliza o cartão (e não gera receita para empresa, embora tampouco gere despesa), as operadoras não realizam somente ações que estimulem sua utilização?

Claro, temos os programas de pontos (embora alguns exijam PhD em matemática e consulta ao calendário viking para entender como funcionam os pontos e conseguir trocá-los por algum benefício). Os bancos ditos ‘tradicionais’ também têm transformado o discurso sobre esta cobrança focando em serviços agregados aos clientes, como chaveiro, mecânico, concierge, etc.

Com tudo isso, você paga anuidade de cartão de crédito? Cancele este cartão…

Quem está questionando isso: Nubank (pioneiro, que recentemente recebeu autorização para também atuar como financeira de forma independente), Digio (disponível, mas ainda descobrindo como estimular o uso), Credicard Zero (dando cabeçadas nesse início de operação, mas vamos que vamos).

3. Cheque especial

Antes de mais nada, se você usa cheque especial (aquele valorzinho que o banco empresta pra você quando sua conta está negativa), de duas uma: ou surgiu uma emergência fora do controle que te obrigou a tirar todo o dinheiro da conta (acontece, um acidente, doença, enfim, toc toc toc na madeira) ou você tem um sério problema de controle financeiro :)

O grande problema do cheque especial é ser a segunda mais cara taxa de juros do mundo financeiro (através apenas do cartão de crédito). Aliás, queria poder abrir um banco só para ter algo que rendesse 15,49% ao mês!

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Nenhuma Fintech conseguiu popularizar-se nesta frente ainda. Para ficar de olho temos a Creditas, Geru, Lendico, Simplic, e a Nexoos (para empresas); duas outras acabam atuando como Marketplaces de crédito, a Bom pra Crédito e EasyCrédito.

Dinheiro não é tudo, mas é 100%

O brasileiro tem em sua cultura um (irritante) hábito de sentir-se culpado por ganhar dinheiro mesmo honestamente. Experimente elogiar alguma conquista de alguém para começar a ouvir desculpas sobre seu consumo:

  • Que blusa linda!

– Ah, estava na promoção..

  • Legal seu carro novo.

– Financiei em algumas vezes e consegui um desconto do gerente.

Uma associação histórica entre ‘ter dinheiro’ e ‘ser desonesto’ acabou por criar injustiças para com os honestos e que têm o que têm como resultado seu trabalho e conhecimento, resultando nesta modéstia exagerada e na aversão às conquistas por mérito.

Este texto também não visa endeusar o papel-moeda ou fomentar um consumismo desenfreado, longe disso! Aliás, se você está feliz com sua horta comunitária e as doações que recebe, ótimo! Felicidade é o que importa. Por outro lado, se você gosta de viajar às vezes sem depender de caronas e campings, ou levar a patroa (/varão) para um restaurante bacana.. dá uma olhadinha se você não está gerando riqueza para outros e esquecendo-se de si mesmo porque está muito ocupado trabalhando.

 

 

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