Quando você diz “eu te amo”

Quando se diz “eu te amo” é porque continuamos curiosos. Não importa quando, como ou para quem ou o quê declaramos nosso amor.

“Só se ama o que não se possui completamente.”
MARCEL PROUST

 

Insinuação é um substantivo feminino. É a maneira hábil de dar a entender alguma coisa sem expressá-la claramente. Também é a habilidade de se fazer aceitar, de seduzir pelas palavras e maneiras.

Sim, o dicionário diz isso, muitas vezes.

A escola nos ensinou que somos feitos de história. Quando olhamos as fotos daqueles tempos, lembramos de cada detalhe, de cada aventura, de cada amigo, amor e desafeto. Raras são as vezes que a sala de aula, propriamente dita, nos fez derramar uma lágrima de saudade. A escola nos ensinou que aprendemos mesmo é com as pessoas: amigos e professores, não com as matérias que ensinam. A escola é muito importante, mas não há mais lugar para ela. Não como ainda insiste em ser.

Lembro de uma vez que tive a brilhante ideia de pular o muro da minha antiga escola. Acredito que estava no quarto ano (antiga terceira série). Ficava olhando pela janela a densa mata que existia na parte de trás da Escola Estadual Luiz Antônio Bastos Côrtes, em Caratinga, imaginando que mistérios estariam ocultos naquele lugar. A cabecinha daquela criança de 9 anos fervilhava. Planejei, dia após dia, até achar coragem para ir ao encontro do desconhecido. Então o dia chegou. Era uma manhã quente, e o sol brilhava forte entre poucas nuvens. Assim que a sirene anunciou o fim das aulas, minha pastinha estava fechada, com todos os objetos recolhidos. Resoluto, desci as escadas mas, ao invés de seguir na direção do grande portão laranja, virei à esquerda e segui, furtivo, rumo aos fundos da escola. O coraçãozinho batia forte. Voltar ou seguir em frente?

Hackathon é uma expressão nova. E significa que estamos começando a entender o verdadeiro significado que há na criação colaborativa, no valor de acreditar na cooperação. Para quem não sabe, é o nome dado às maratonas feitas por programadores. Reuniões com o objetivo de somar forças criativas para o desenvolvimento de novas plataformas, sistemas e softwares. Uma maratona para resolver grandes desafios, munidos apenas com o talento de cada participante, combinados com a boa vontade e a disposição para ir além das possibilidades comuns. Espero ver o Hackathon em muitas áreas, sem preconceitos. O mito do gênio solitário está com seus dias contados.

Quando era moleque, adorava folhear os dicionários do meu avô, que passaram para o meu pai, que os jogou no lixo, de onde os resgatei, quase aos prantos. A coleção de seis pesados volumes me acompanhou, desde a tenra infância. Estão, agora, bem aqui na minha frente, enquanto escrevo essas linhas. São um legado. A edição de 1968 do Dicionário Brasileiro Ilustrado Edigraf foi um presente do tempo; um mostro de papel que poucos devem se lembrar. Eles me ajudaram a conhecer uma lasca da cultura mundial e, principalmente, das belas peculiaridades da Língua Portuguesa. Sim, em maiúsculas, porque a língua é a alma de uma cultura. A língua insinua, e a língua pode dar e fazer conotações. Depende de quem usa o poder de sua semântica.

Amamos o que não possuímos totalmente. Sozinho, diante daquele duro muro de cimento, pensei: é agora! A ansiedade pela nova experiência foi a força que me jogou para o outro lado.

A dor do “não saber” tem movido a humanidade. Quem sabe, muitas vezes, evita compartilhar. Conhecimento é poder. Grandes conquistadores ergueram centros acadêmicos e bibliotecas por onde passavam, a fim de contarem suas próprias histórias ou perpetuar as ciências. Sentimos um comichão pelo desconhecido. Em poucos milhares de anos, depois da Revolução Cognitiva, saímos das cavernas direto para os limites do Sistema Solar. Hoje, já ultrapassamos as bordas da Via Láctea com as lentes do telescópio Hubble. Isso tudo porque aperfeiçoamos a arte da colaboração. Cada um completa um pedacinho do quebra-cabeça. De pedra em pedra, toneladas tornaram-se a pirâmide de Quéops. Que até hoje, nos mantém intrigados com a sua própria história.

Quando se diz “eu te amo” é porque continuamos curiosos. Não importa quando, como ou para quem ou o quê declaramos nosso amor. Entramos em fluxo quando estamos diante daquilo que nos rouba a atenção. Aquilo que nos desafia a inteligência, prova que há uma esquina, uma curvatura, uma cortina sensual a nos deixar em suspenso à espera de mais.

O que faria uma turma de nerds se juntar para trabalhar juntos?

Muitos motivos. Cada um deles teria a sua própria resposta. Mesmo com objetivos desenhados à sua própria maneira, conseguem colaborar. Mesmo com sonhos e expectativas distintas, estarão lá, com os olhos brilhantes. Os homens e mulheres que construíram as muralhas da China, as estradas romanas, as 13 colônias, as caravelas que tropeçaram nas Américas, as pirâmides, a corrida espacial, etc. tinham os mesmos motivos que essa moçada que ama programar computadores. Todos querem fazer parte da história. Todos, a seu modo, dizem “eu te amo” à sua arte, aos seus deuses, às suas musas, pois desconhecem o futuro que desejam, ansiosamente, construir. Um futuro que não se parece com uma mata no fundo de uma pequena escola do interior de Minas, mas que os inspira ardentemente a seguir em frente, sem medo do que poderão encontrar.

A sala de aula está se mudando de vez para novos espaços, e a história do homo sapiens veste novos caminhos, enquanto o futuro anseia por uma sociedade cada vez mais colaborativa. A criatividade humana nos mandou várias mensagens do passado. Aprendemos, a duras penas, que o conhecimento humano é muito valioso. Ele liberta, e também aprisiona, se mal usado. Em tempos de Internet, quando todos sabem tudo o tempo todo, fica apenas uma pergunta no ar: devemos confiar nos homens ou nas máquinas?

Quando saí daquela mata cheio de arranhões, carrapichos e teias de aranha na cara, percebi que a descoberta cobra um preço muito caro. Nada substitui a realidade. Nenhuma aula, mesmo com toda a tecnologia disponível, seria capaz de simular a experiência que um aluno pode ter quando experimenta algo realmente concreto. Repeti muitas vezes situações semelhantes, e aprendi que sempre vale a pena tentar. Mas a lição que ficou é: nunca entre em uma mata sozinho. É muito arriscado. Afinal, as aventuras que dividimos são melhores pois temos com quem compartilhar. Quem explora sozinho acaba não voltando ou, se volta, não tem testemunhas para comprovar suas histórias.

Arrependido? Não. Mas, sugiro que escolhamos sempre dividir nossas experiências. É uma forma muito mais rica e humana de criar novas possibilidades, e manter o mundo mais seguro e próspero. Divertido? Sim, pois a combinação de ideias faz com que encontremos soluções mais poderosas e em curtos espaços de tempo.

Os desafios deste momento exigem muito mais colaboração.

A quantidade de informações que estamos gerando precisam ser analisadas por sistemas cada vez mais sofisticados. Um novo mundo está do outro lado do muro, e não precisamos ir sozinhos. Precisamos apenas juntar pessoas apaixonadas pelos motivos certos. Isso já será suficiente para justificar possíveis arranhões, carrapichos e as terríveis teias de aranha. Nada demais para quem prefere aventuras em grupo!

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