Fake news e a crise da informação

Um pensamento simples (talvez até simplista) sobre o contexto dos fluxos de informação em tempos de eleição, polarização e tudo isso que a gente vem vendo. Pra quem se aventurou a estudar Comunicação, um prato cheio pra se observar os novos paradigmas e, principalmente, os grandes desafios que hoje enfrentamos e amanhã enfrentaremos ainda mais para manter relevante o ofício da comunicação.

O cenário:

A guerra anunciada das fake news ganhou eco nos últimos anos, e explodiu em 2018 num protagonismo indigesto dentro da mobilização da opinião pública. As manchetes se esvaziaram — já não sustentam, muita vez, a responsabilidade da verdade — , e hoje disputam a boa vontade dos seus públicos para manterem algum respeito. O cenário é amplo, mas talvez alguns recortes ajudem a justificá-lo.

1. Democratização das vozes

A internet é uma praça pública, por natureza, e há anos já subverteu todos os paradigmas autoritários da informação. Todo mundo produz, consome e multiplica. E mais: a possibilidade de ocupar esse lugar de fonte não é autossuficiente — isso somente se tornou realidade porque as pessoas gostaram de assumir tal lugar. A “cotidianização” da internet caiu como uma luva sobre o frenesi por expressão. Todos querem ser ouvidos, e agora podem.

Daí cabem até outros desdobramentos: o que há de temporal nessa sede por dizer e ser ouvido? De que forma a dimensão ferramental da comunicação e da interação favorecem e abastecem a espetacularização irrefreável das narrativas. Quais os riscos disso?

Hoje, se todos podem dizer e se tornar relevantes, onde mora o fator X que preserva a relevância de quem o faz profissionalmente? Em que medida faz sentido falar de publicidade e jornalismo (e até relações públicas) profissional? Será que as configurações de hoje são firmes o suficiente? O que resgatar no fundamento teórico da comunicação ou na corrida tecnológica da informação para que siga sendo essencial fazer comunicação profissionalmente?

2. Velocidade vs qualidade

O tempo nunca perdeu com tanta violência suas qualidades como hoje. A velocidade com que os novos canais de comunicação se rearranjam e a urgência atribuída a cada instante da corrida pelo pioneirismo de cada manchete já rasgaram os padrões da boa comunicação (aliás, o que é a boa comunicação?).

Veículos oficiais, redações de jornais, assessorias de imprensa, agências de propaganda, fanáticos, intelectuais, blogueiros, tios, tias e primos do grupo da família, tudo se misturou numa completa marginalização de pilares fundamentais da comunicação. Na sociedade da emergência, do jornalismo ao empreendedorismo, o mais rápido é melhor que o mais bem-feito. E aí o único meio de sobrevivência é o desespero, num cenário cruel em que os que ainda preservam o código da boa comunicação concorrem com informantes irresponsáveis que transformam o cenário da informação em um campo minado.

3. Mentiras se tornam verdades se muita gente acreditar.

Completando o circo, a marginalização do comunicar profissional é tão generalizada — claro, somada aos ânimos, ao fanatismo e a má-fé — que sequer manter a integridade e a verdade das informações basta. Nesse mutirão criminoso de informações, a verdade reside mais na concordância entre milhões do que na correspondência à realidade. Aponto aqui a ressalva de que a comunicação dita profissional também está sujeita a maus recortes da verdade, mas o caso aqui é a generalização desse deslocamento do que torna afirmações, dados e notícias verdadeiros ou não.

Especialmente quando a comunicação está a serviço de guerras eleitorais, a mobilização social age antes, e pensa depois. Os justos e os honestos guardam suas virtudes na gaveta, e a verdade de verdade não é mais prioridade — um punhado de gente igual a mim dizer que é fato já é o suficiente.


Por fim, é fascinante, ainda que terrível, vivenciar o que a academia colocava (em alguns casos com um ar até romântico) sobre o paradigma relacional, de compreender os fluxos multilaterais de informação e interlocução. De fato, o empoderamento das vozes contra o regime historicamente unilateral de emissão da informação é, sem dúvidas, um dos maiores passos da humanidade no último século.

Isso implica, no entanto, uma revisão sem precedentes sobre o fazer comunicativo. Onde vamos buscar inovação que sustente a responsabilidade da comunicação sobre as dimensões políticas, sociais e culturais? Hoje, o comunicar, enquanto verbo livre a qualquer sujeito, parece em crise. E certamente é nosso papel reconstruir as noções acerca do que é a comunicação enquanto estudo e prática e, ainda, ressignificar o valor que se percebe sobre este nosso papel. O que temos a oferecer de valioso num cenário em que o que parecia mais essencial já foi dissolvido?

Sigamos juntos e juntas em busca da nova comunicação. Há de ser revolucionária. ;)

Receba nossos posts GRÁTIS!
Mostrar comentários (1)

This website uses cookies to improve your experience. We'll assume you're ok with this, but you can opt-out if you wish. Accept Read More