Sujo, mas com estilo

O papel da sujeira como símbolo de uma falsa contracultura

Os estudos sobre a ‘cultura’ de uma sociedade são hoje fundamentais em diversas áreas do conhecimento. Não há, contudo, da psicologia à sociologia, da antropologia às ciências do consumo, uma definição única e absoluta para o que vem a ser ‘cultura’.

Em 1952, Kroeber & Kluckhohn enumeraram duas dezenas de definições, das quais tomo a de Winston (1933) que, em tradução livre, coloca que:

…a cultura pode ser considerada como a totalidade dos traços materiais e não-materiais, juntamente com padrões de comportamento associados, somando aos usos da linguagem que uma sociedade possui.

No estudo do consumo/consumidor, o antropólogo Daniel Miller é uma das maiores referências para entender porque alguém compra/usa/consome algo em função de questões culturas e crenças individuais.

Como contrária aos padrões de comportamento, movimentos de contracultura sugiram na década de 60 como antagonistas e contestadores de padrões de comportamento e consumo (o que, na música, são claramente representados em manifestações culturais que resultaram no que hoje chamamos de rock e punk).

O curioso da contracultura, porém, é que ela é, por si, mais um agrupamento de valores similares, “os iguais dentre os diferentes”, a crença em uma individualidade vendida de forma massiva.

sujo

Feita a introdução, queria refletir sobre o quanto a “sujeira” pode tornar-se um elemento de (auto) identidade com significados distintos do que pode ser popularmente pensado.

Sujeira como símbolo de identidade

Em um estudo que avaliou a percepção da sujeira urbana em João Pessoa (PB), é colocado que “sujeira” pode estar associada a três noções: higiene, imoralidade e falta de confiança. A meu ver, no consumo de alguns produtos, contudo, a sujeira acabou sendo incorporada de forma eufemística como a imoralidade aceitável, a disrupção para com padrões; tomando emprestado termos deste mesmo texto que falam da contraposição entre puro e impuro, da ordem e desordem, onde acrescento o uso da velha fórmula da dualidade para recrutamento das pessoas: ou você é A ou você é B, simples assim.

E isso vai além de “Se sujar faz bem”, da Omo, que, na realidade, usa a sujeira como uma representação simbólica da liberdade infantil sendo, porém, colocada como a aceitação de algo negativo em prol de um bem maior.

Aqui falamos da sujeira propriamente dita e positiva, da terra, da lama, do barro, da antítese do “limpinho” (entre aspas para ilustrar uma conotação negativa), situações onde a sujeira passou a traduzir o rompimento contra o padrão ou, em outras palavras, a sujeira tornou-se um elemento da contracultura.

Também me lembro quando passei a morar em São Paulo o quanto falavam de um restaurante auto-intitulado “Sujinho”- que não sei mais se é um bar ou uma mega rede multinacional de franquias, pois em cada bairro há um ‘Sujinho’ pra chamar de seu. Esta abordagem surge como um contra-gourmet, a alternativa àquilo que se tornou padrão.

Um outro caso, quando tive a Ford como cliente, lembro de conversas com ‘picapeiros’ (donos de pickups, geralmente 4×4) que comentavam que “um 4×4 precisa estar sujo de terra, de barro, senão não passa credibilidade”. A Nissan aproveitou-se deste valor, em 2010, nesta cômica representação do ‘cowboy de posto’, em uma clara cutucada à Toyota (Hilux) e Volkswagen (Amarok) na época que a dona da Frontier tinha uma comunicação propositadamente contundente e, pros padrões brasileiros, diferenciada (mandavam bem, Lew’Lara/TBWA!):

Nos últimos dias tomei conhecimento de um sabão de sujeira, ou, como denominado pelos criadores, um sabão feito para sujar, cujo foco seriam donos de sneakers (tênis All Star), que também teriam na sujeira de seus tênis um elemento de auto-identidade:

A sujeira, então, deixa de ter uma conotação negativa para se tornar uma sujeira organizada, propositadamente inserida em um contexto sócio-cultural para representar o rompimento para com o extremamente pasteurizado, com o “limpinho” insosso, a prova de que aquelas marcas de lama são o resultado de aventuras, vivências e realizações, as cicatrizes de uma batalha. Afinal de contas, quem tem uma 4×4 ou um All Star limpinhos?

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