Precisamos falar sobre o Justin Bieber

“Justin Bieber é vaiado em um evento televisionado ao vivo.” Essa é a notícia que os bits carregam internet afora essa semana.

As imagens mostram o artista se esforçando para continuar no espírito de uma brincadeira prevista no roteiro sem, ao mesmo tempo, ceder à humilhação que vinha da platéia, em uma dessas premiações.

Basicamente, viveu aquele pesadelo em que você está só com a roupa de baixo na frente de todo mundo na sala de aula.

É óbvio que Justin Bieber revive mais uma vez o clichê Hollywoodiano rumo a um desfecho trágico. E que assistimos como a um trem desgovernado, adicionando uma ou outra pedra de carvão na fornalha com um ou outro comentário sarcástico, mais uma vez.

Mas a história de Justin Bieber é também a tragédia de quem acredita na internet como um veículo de democratização cultural.

Quem fez a estrela de Justin brilhar foi a comunidade integrada pela internet, ao compartilhar o vídeo daquele garotinho com aquela voz incrível cantando e tocando violão em casa. Se não fosse um vídeo no Youtube no longíquo 2007, ele seria uma criança como outra qualquer.

Mas o vídeo viralizou. Foi um daqueles fenômenos do tipo de mídia espontânea que se tornou o santo graal da comunicação. A onda que carregava a promessa de que o mundo poderia passar a conhecer diretamente talentos em forma bruta, real, e sincera, sem as maquiagens e truques manjados da indústria do entretenimento.

Foi quando Justin foi co-optado pela tal indústria do entretenimento, sedenta por alguma solução que pudesse reverter o desinteresse pelos seus artistas pré-fabricados, photoshopados e auto-tunados.

Com estardalhaço e padrinhos de peso, Justin Bieber, com 13 anos, foi lançado aos holofotes. E passou a frequentar um universo que, obviamente, não era o seu.

Passados sete anos, temos um jovem que sente o impulso de segurar nos ombros as estruturas imensas de um modelo que desmorona com imensa brutalidade à olhos vistos. Que precisa se provar a todo momento com cenas públicas reafirmando seu talento, beleza, rebeldia e relevância como produto da cultura pop.

Justin Bieber descobriu-se em frente à milhões de pessoas em meio ao momento mais esquizofrênico da história humana. E a culpa é toda da internet.

A proximidade das ferramentas digitais dinamitou o fosso que afastava o universo divino e maravilhoso das grandes estrelas da histeria mundana da audiência. Nunca foi tão perigoso estar do outro lado.

Muito recentemente, todos no mercado de comunicação passaram a se ocupar com essa nova questão: como lidar com a imensa exposição de marcas e produtos quando o consumidor possui ferramentas de comunicação tão poderosas à sua disposição?

A maiores marcas do mundo passaram a contar com equipes inteiras dedicadas ao estudo e interpretação das redes sociais. A análises de atributos subjetivos levam o tempo inteiro à resultados questionáveis sobre a apreciação ou depreciação emocional da marca. As promessas de desvendar a mente coletiva humana dominando o Big Dada passou a ser o sonho molhado de todo diretor de multinacional.

Enquanto isso, os artistas passaram a navegar estas mesmas águas turvas dependendo apenas da sua própria intuição, seu tempo, seu preparo emocional para lidar com as expectativas, aplausos, e ofensas pessoais que jorram do público. Mesmo os maiores artistas, que contam com escritórios para administração de suas redes sociais, acabam não tendo como evitar a questão em um mundo obcecado pelo relacionamento hiper-pessoal, em que “filtros profissionais” são percebidos e evitados rapidamente pelos fãs, em busca do contato pessoal e imediato com seus ídolos.

Quando nos tornamos usuários, passamos a conviver com uma pressão gigantesca por participarmos do debate do dia. Somos constantemente provocados à compartilhar, comentar, curtir ou trolar para não recaírmos na sensação de “perdermos” o calor dos acontecimentos.

Foi assim que Justin Bieber tornou-se esse grande Frankenstein da cultura pop.

Idolatrado por um target clássico do mercado fonográfico (garotas adolescentes), virou o saco de pancada de todos os outros, em escala global. A voz nas redes sociais encorajam os humoristas da tv, que realimentam as redes sociais, em um ciclo de informações degradantes.

Jutsin Bieber convive com o fato de que, nos dias de hoje, chamar a atenção para si, como é necessário para a carreira de um artista do espetáculo, significa incentivar a crueldade e o escárnio daqueles que não são nem mesmo do nicho da sua proposta. E precisar nadar desesperadamente contra essa maré para não afogar na insanidade coletiva.

Mas não deveria ser assim. O que aconteceu com a promessa digital de que todos os nichos poderiam se desenvolver em paralelo, músicos de todos os estilos se desenvolveriam em seus próprios públicos, livres das amarras manipulativas e da competição destrutiva pelo espaço finito da mídia tradicional?

A verdade é que nós não fomos treinados para a realidade de abundância midiática. Adoramos o conforto da escassez cultural, com suas opções mínimas de entretenimento e lazer. Se não gostamos, simplesmente xingamos. E, no ímpeto interativo, estamos confirmando nossa vocação de bullys, xingando e destroçando todo o talento virgem que apareça pelo caminho.

Estamos vaiando presidentes em celebrações nacionais. Estamos vaiando jogadores com impulsos raciais. Estamos reatroalimentando nossas próprias convicções em nossas timelines, para parecermos sempre certos em nossas atitudes e opiniões.

Por exemplo, você já parou para pensar na carga que foi atravessar essa Copa do Mundo para os garotos dessa Seleção Brasileira? O quanto o 7×1 não ocorreu devido ao fato de parecermos tão mais interessados nos memes do que nos jogos? Como nossas tiradas espertas no Twitter ou no Facebook não afetaram o foco dos nossos jogadores em casa?

Teorias à parte, é um momento complicado para a criação e desenvolvimento do talento, exposto cedo demais, sem tempo para maturar tecnicamente e emocionalmente. Mas também duro por percebemos que a promessa de democracia cultural é uma utopia que parece distante para aqueles que não dispõem de um arsenal combativo de contra-informação e administração de crises.

E isso é real para artistas e atletas, assim como para empresas ou marcas.

Triste ver como Justin Bieber está sendo carregado pela história. Para nós, resta o papel de usuários imaturos de uma ferramenta com tanto potencial para a construção de coisas belas, dedicados ao ódio, a inveja, a burrice e a destruição.

Se não superarmos esse deslumbre pela influência digital e não deixarmos as tochas e ancinhos digitais de lado, nunca revelaremos talentos que possam representar verdadeiramete o nosso espírito em obras que deixem para as futuras gerações a inspiração e a beleza do nosso momento histórico na terra.

Tristes de nós, que ficaremos conhecidos como aqueles que sustentaram a idade média 2.0.

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