Primas distantes.

 

Tem gente que nem desconfia, mas elas são primas distantes. Uma tem bem mais idade, mas é a outra que sente frio. Uma tem pedras e ladeiras, a outra tem vidros e madeiras. Uma é impulsiva, a outra é toda planejada. Numa delas chove sem aviso, na outra se reza para chover. Uma tem perfume de mato, a outra tem de flor, uma usa vestido rendado, a outra usa roupa de tudo quanto é cor. Uma é da costela de porco, outra da costela de bode. Uma é corvo, a outra carcará. O que une as primas distantes é terem nascido, ambas, em terras áridas. É na aridez que a gente se desinventa e se reinventa com facilidade, transforma agrura em fartura, enxerga o horizonte que apesar de distante se faz presente para lembrar que o dia novo da gente sempre começa logo depois que a noite finda. Austin, menina descolada, tinha uma guitarra encostada. Garanhuns, moça recatada, tinha uma sanfona guardada. Pois no mesmo dia as duas resolveram sair para tocar. Sem saber direito o que fazer, fizeram o que ninguém esperava, deixaram de queixo caído os mais antigos, que jamais tinham visto tanta novidade por aquelas bandas, naquela encruzilhada. Do lado de Austin, saiu um som rouco; de Garanhuns, um som analasado. A vizinhança toda em silêncio, viu o pacto que as primas tinham feito. De impor respeito, batendo no peito e tocando em alto e bom som para quem quisesse ouvir. Uma guitarra, uma sanfona. Toda ideia merece ser respeitada. Afirmam, no mesmo tom.
Quando o projetor foi acionado, tudo mudou na sala do Stateside Theatre, na Congress Avenue, em Austin. Era como se todos, brasileiros ou não, tivéssemos sido transportados para uma sala na casa da prima distante, Garanhuns. O filme Dominguinhos é um aplicativo de estilingue. Nos puxa para o passado, nos atira subitamente para o futuro. Um game que deveríamos instalar no peito, para não esquecer de onde viemos e por qual razão estamos chegando nesse outro lugar. Enquanto o festival se transforma – e o público muda radicalmente, Mariana Aydar, tranquilamente, canta e sentencia um sentimento.
– É como se aqui a gente tivesse o tempo que não tem quando está lá. Porque aqui está todo mundo de peito aberto para sentir, ouvir, trocar.
Garanhuns e Austin são primas. Áridas, mas muito férteis.

*Pedrinho Fonseca é convidado especial do Update or Die e do banco Santander durante o SXSW e veio a Austin com uma missão. Trazer um banco vermelho e convidar pessoas a sentarem nele. A contarem suas histórias. E, assim, descobrir um #bancodeinspirações.

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