A navalha de Hanlon: não atribua à maldade o que pode ser apenas estupidez

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Hoje em dia a gente se comunica mais por escrito do que falando (os que têm acesso à tecnologia).

Seu bisavô, por exemplo, falava mais do que escrevia. Abria a porta de casa de manhã, ia para a rua e passava o dia falando com as pessoas.

Hoje a gente também conversa o dia inteiro, mas sem abrir a boca.

É zap-zap pra cá, torpedinho pra lá, email pra trabalhar, Facebook para compartilhar, Instagram pra mostrar. Tudo isso porque a escrita ficou mais conveniente do que a fala. Eu raramente uso o telefone, só quando é algum parente ou amigo, situações em que você quer escutar a voz da pessoa mesmo. Do contrário é artilharia anular, saio metralhando letrinhas, click, click, click.

Só que essa transição, da fala pra escrita, não é tão simples assim. Como você já deve ter reparado faz tempo, as coisas faladas funcionam de um jeito e as escritas de outro. Falando você tem a entonação, tem a gesticulação e um monte de pistas que ajudam a outra pessoa a te entender. Por escrito, apesar da característica e da oportunidade de uma comunicação mais “pensada e elaborada”, essas pistas não são tão fáceis de perceber. Fora que estamos abreviando tudo. E o que isso significa?

Aumentaram os mal-entendidos.

Seus bate-papos estão mais sujeitos à confusão do que os do seu bisavô.

É engraçado perceber que nosso potencial de comunicação aumentou uma barbaridade, mas também aumentaram os bois na linha, aquelas situações em que você quis dizer uma coisa mas a pessoa entendeu outra.

Você escreve “ontem foi ótimo” e a pessoa pensa “ótimo? Só isso? Humpf!”. Você acha que foi simpático e a pessoa acha que você foi insensível.

Falamos mais. E menos, também. Se as possibilidades de comunicação do seu bisavô eram “mais ou menos”, as suas são “mais e menos”.

E é por isso tudo que eu acho que você deve conhecer e se familiarizar com o conceito por trás do “Hanlon’s Razor”, a navalha de Hanlon. Explico rapidinho:

A filosofia, assim como a barbearia, tem um monte de navalhas. Só que ao invés de barbear rostos, as navalhas filosóficas servem para cortar as gordurinhas de hipóteses, que são as possibilidades de explicação de alguma coisa. E essa, do Sr Hanlon diz o seguinte:

 

“NUNCA ATRIBUA À MALDADE O QUE PODE SER ADEQUADAMENTE EXPLICADO PELA ESTUPIDEZ”

 

É o famoso “benefício da dúvida”. Na dúvida, não vá achando o pior, ou vendo maldade logo de cara. Pode ser apenas um caso de ingenuidade (ou ignorância, ou estupidez, etc).

Quando aquele dentista pegou o NEMO no fundo do mar e levou para o aquário do seu consultório, ele não tava de sacanagem. Ele nem pensou nas implicações, pensou até que seria uma boa para o peixinho, ficaria mais seguro e bem alimentado. Para o pai do Nemo foi um sequestro. No fim era uma “ignorância” do dentista, que acabou se mostrando uma estupidez (palavrinha que às vezes confunde, mas que significa um erro de julgamento de alguma coisa).

Concluindo: daqui para frente, toda vez que você der de cara com alguma coisa que deixe a dúvida (e provavelmente vai ser na forma escrita), lembre-se da navalha de Hanlon e permita-se ao benefício da dúvida. Porque geralmente é um boi na linha mesmo. Isso é especialmente importante para quem dá ou recebe comandos e feedbacks POR ESCRITO. Quantas vezes você compartilha uma ideia por email e o reply é pura frustração ou até mesmo uma crítica?

EMAIL:

“Ebaaaaa!!! Conseguimos achar a solução ontem de madrugada! Depois desses 3 meses de trabalho, finalmente matamos a charada! GOL DE PLACA. Ficou fantástico, sensacional mesmo, estamos animados. Tá em anexo, dá uma olhada e me diz o que achou.”

REPLY:

“BLZ”

Fuém, fuém, fuém…

Aí você dá um reply do reply perguntando se era só isso que ele tinha a dizer e o cara pensa “que babaca, quem ele pensa que é? Acha que é um gênio, e essa carência… meu Deus…”

Às vezes o cara respondeu curtinho porque estava com pressa mesmo. Às vezes o time não é carente, mas precisa de entusiasmo. Pode ser que não, mas na maioria das vezes É. Por que a gente sempre pensa o pior?

Pense assim: certas coisas PRECISAM ser cara a cara para você receber ou dar um feedback adequado. Então antes de sair escrevendo, pare e pense se não é o caso de voltar para o jeitão mais antigo, onde vozes e olhares precisam ser trocados para a interpretação ficar mais correta.

E para toda e qualquer forma de comunicação que você escolher, lembre-se que esse princípio vale também para (o raro exercício da) argumentação: às vezes uma tomada de posição que parece absurda pode não ser teimosia, nem maldade ou fanatismo. Pode ser ignorância, ingenuidade. Ao invés de criticar, procure antes, esclarecer. Dê o benefício da dúvida.

Dizem que se uma coisa é importante deve ser colocada por escrito. Então eu diria que se for MUITO importante, deve ser falada, e de preferência, em pessoa.

Não dê mole pro boi. Nem pro bode, que vem sempre na cola.

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