Foié – Viagem

Embora a Receita Federal discorde, sempre achei que o melhor destino para os dinheiros que ganhei na vida foi viajar.

No fim dos anos 80, eu queria fazer uma viagem viajandona. Nem era pra postar e impressionar os amigos, a gente viajava porque gostava de viajar mesmo.

Escolhi, claro, a viajandona Jamaica. E havia uma coisa sensacional nesse negócio de escolher um destino: a desinformação.

Bob Marley, baseados do tamanho de uma viga de concreto, praias de água azul que não tem nem no Pantone.  Era só o que eu sabia sobre a Jamaica.

Na inexistência desta internet onde você me lê agora, fui a uma agência de viagens. O cara que me atendeu abriu dezenas de folhetos coloridos na minha frente e saiu me vendendo pacotes de resorts americanos. Não era o que eu queria, mas saí de lá com um orçamento anotado num papel e fui pesquisar em revistas e guias de viagens. Os guias tinham aquelas fotos de arquivo desbotadas e bloquinhos de texto com endereços, sabe lá se atualizados, de onde comer e dormir.

Achei um hotel que parecia legal e escrevi pra eles pedindo para me mandarem um folder. Carta de próprio punho, signed, sealed, delivered. Em uma semana chegou um envelopão em casa, com carimbo dos correios da terra que nos daria Usain Bolt. Vinha de Kingston, tinha uma carta muito cheia de gentilezas assinada pelo gerente do hotel e um folheto com duas ou três fotos. Me senti muito importante. Tinham também instruções para pagamento de reserva- evidentemente sem opção de Pay Pal.

E foi pra Montego Bay, costa oeste, que me mandei. Sem Google Maps, Waze, TripAdvisor, Airbnb, Uber, Ulmon City Maps, Time Out, WindGuru, aplicativo para check in, cartão de débito com saque em moeda estrangeira, sem câmera digital e muito menos pau de selfie.

Preciso confessar que anda difícil viajar sem a listinha aí de cima, mas também não vou deixar de dizer que a viagem foi épica, com uma surpresa (boa) atrás da outra. A viagem de avião tinha comissárias charmosas distribuindo bebida feito Oktoberfest, gente fumando na cabine e a comida a bordo era algo de respeito.

Os carros das ruas eu nunca tinha visto, nem conhecia as marcas: Subaru, Accura e Mitsubishi. Cerveja era Red Stripe, ou você tomava lá ou não iria achar em mais nenhum lugar. Pelo menos ali, a invasão de marcas globais de lojas ou fast food não havia chegado ainda. Aliás, a comida caribenha precisava ser decifrada aos poucos, sem o refúgio de um Starbuck’s. E numa ida à praia fui reconhecido como brasileiro porque estava de Havaianas, privilégio brazuca que ainda não era hype.

Não é o caso de bancar o saudosista porque a coisa era bem mais complicada, mas é um saco essa coisa de sair do raio X carregando cinto e sapato na mão. Responder perguntas sobre se você é terrorista ou traficante de material biológico antes de embarcar e ter que sobreviver ao vôo com uma barrinha de cereal derrubaram o charme das viagens de avião. A disponibilidade de informação tirou a aura de mistério dos lugares. Tem a mesma marca de cerveja, o mesmo café e as mesmas coisas em todos os lugares do mundo. Só que foi, não mais é.

Hoje viajar tem outros apelos, e em compensação, o que um wi fi e os aplicativos certos podem fazer pela sua viagem é uma grandeza.

Nem Júlio Verne podia imaginar.


Imagens: Shutterstock

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