Não saia da zona de conforto. Corra atrás dela.

Eu não acredito nessa história de sair da zona de conforto. Ok, na verdade eu acredito no que ela quer fazer com a gente, mas discordo do que ela diz em si. Embora admita que faça sentido pra muita gente, não acho que seja exatamente isso o que a gente queira.

Pra começar, é legal notar como a ideia de conforto, por sinal, está longe de ser uma coisa ruim. O conforto de um colo, de um carro, de um apartamento, o conforto do lar, o conforto num momento difícil. Ou seja, conforto é sempre uma coisa boa, a não ser que seja uma zona de conforto — aí vira um pecado, a galera te olha torto e não vão te aceitar naquela startup.

Claro, não significa que falar de “sair da zona de conforto” é contestar nossa ideia bonitinha de conforto. Não é. A gente sabe que na verdade ela diz é da tomada de iniciativa em meio a um ambiente em que você faz só o que gosta, o que é fácil ou o que é de costume. Sair da zona de conforto é colocar-se em novos ambientes, topar novos desafios, aprender e fazer mais do que o de sempre.

E isso é lindo. Aliás, todo o projeto empreendedor e transformador que tem mudado o mundo parte de um pensamento assim. Graças aos incomodados.

Voltando ao raciocínio, contudo, podemos partir de que o conforto, de uma forma geral, não é algo ruim. Pelo contrário, todo mundo busca coisas boas. Aliás, etimologicamente, conforto vem da ideia de fortalecer, de conferir força a. Quem não quer isso?

Bem, e num ambiente empreendedor, claro, isso não é diferente. Ninguém assume riscos, se joga no escuro, pula no vazio, vira o mundo ao contrário e passa mil apertos buscando alguma coisa que não a felicidade, o sucesso, o conforto — nem que esse conforto seja a adrenalina de estar sempre em risco. Faz parte da gente, como sobrevivência, buscar o que nos conforta — ainda mais numa geração em que tanto se fala de buscar felicidade, trabalhar com propósito etc.

Em outras palavras, o movimento, no fundo, é basicamente sair da zona de conforto para alcançar uma (outra) zona de conforto. Louco, né?

Pois bem, antes, admitamos aí que, apesar dessa aparente inconsistência, “sair da zona de conforto” existe porque tem um impacto gigante. É a típica frase criada para surpreender. E surpreende. Provavelmente, um palestrante a usou um dia pra tornar sua palestra um tanto quanto uau. E deu certo. Tem o exato tom subversivo que as pessoas querem ouvir.

Apesar de funcional, portanto, cabem dois argumentos pra discutir a fama desse mantra.

Primeiro, por que esse volta toda? Como assim você me diz pra sair da zona de conforto, se o que eu mais quero é, por exemplo, ter o máximo de conforto no futuro? Isso faz sentido? Faz. Enquanto discurso, enquanto catarse, enquanto um conselho novo, diferentão— quando todos os outros conselhos parecem óbvios e inefetivos demais. “Saia da sua zona de conforto, é lá fora que a magia acontece.”

E isso traz o segundo ponto: pera, eu tô mesmo confortável hoje?

Pensa comigo: tá tudo tranquilo [e favorável™] na sua vida?

É confortável ver triste alguma pessoa de quem você gosta?
É confortável ver gente passando frio na calçada quando você vai ao banco?
É confortável lidar com um mundo hipócrita que hoje mal suporta não se estourar em novas guerras?
É confortável conviver numa cultura que não estica um braço pra ajudar um indigente, mas enfia a mão na cara de um negro, de um pobre, de um gay?
É confortável manter um jogo empreendedor em que a tal da dor de mercado é sempre mais dolorida que qualquer dor da sociedade?

O ponto, definitivamente, não é sair de zona de conforto. Aliás, o sair por sair não diz nada. Pra mim, pelo menos, não. O empurrãozinho de que eu preciso não é me dizer que eu preciso fazer coisas com que eu não estou acostumado, ou me dizer que a mágica só acontece lá fora.

Já passou da hora de entender que o meu conforto não pode ser um conforto só meu. Eu quero é me tocar de que não é conforto algum fazer o que me faz bem, se um milhão de problemas acontecem e eu de olhos fechados. Já parou pra pensar no quão egoístas são as condições que você considera que são a sua zona de conforto?

Não basta estar a um semestre de um diploma de graduação. Não basta a minha empresa estar voando. Quer dizer, pra mim não basta. Eu não quero que baste. E é por isso que faz sentido perseguir o conforto. Conforto meu e do máximo possível de pessoas.

E isso não vai nos tornar eternos ranzinzas decepcionadíssimos com o mundo. Pelo contrário, vai me tornar parte do problema e parte da solução. É só uma questão de sentir-se junto do ambiente em que a gente vive. Eu quero é me identificar no desconforto dos outros, e buscar loucamente mudar isso. A gente tá realmente pertencendo ao mundo ou só dando um jeito de não precisar se preocupar com ele?

Resumindo: se te faz bem essa história de sair da zona de conforto, vá em frente. Mesmo. Esse imediatismo satisfaz, convence, nos torna mais ativos. Viva isso, vá com Deus. Só lembre que mexer-se agora, ser o ousado, disruptivo e aventureiro pode não significar nada. Você pode se tornar a pessoa mais incrível do mundo (meus parabéns!), sem ter melhorado incrivelmente nada no mundo. Saia do que você considera sua zona de conforto ciente de que você está buscando uma outra zona de conforto. Se faz sentido acreditar nisso, ao menos entenda que sair da sua zona de conforto pode ser exatamente desconfortar-se com o desconforto dos outros.

Maaas, se isso já não faz sentido pra você, pensa nisso. Aliás, não duvido de que, em poucos anos, ouvir “você precisa sair da sua zona de conforto” já não cause impacto algum. Vai ser pouco apenas me dizer pra pular fora da rotina.

Eu quero é aprender a desafiar os desconfortos. E é isso que vai ser o motivo pra eu não estar satisfeito apenas fazendo o que quero, o que é fácil ou de costume. Tem um mundo inteiro desconfortável lá fora. E eu tô incomodado com isso.

Pensa nisso. E não se ache menor por isso. Lembre-se: conforto é fortalecimento, é ganhar força. E não tem nada mais bonito que buscar estar confortável — e fazer confortável quem importa pra gente.

Por fim, incomode-se com o que te deixa desconfortável — você ou qualquer outra pessoa.

É a tal da empatia, né? Incomode-se com o que não está certo (pra você e pro mundo). Seja chato com os detalhes, cuidadoso com cada coisinha que te deixa louco. E então persiga a sua zona de conforto. Corre atrás dela. Com vontade. Ela não precisa ser esse monstro que andam dizendo. Você vive pra isso. Pra ser forte. Pra ser feliz.

No fim, é tudo uma questão de como você funciona — e de como você quer fazer o mundo todo (e não só o seu mundinho) funcionar também.

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