O dia que a polícia europeia bateu na minha porta

Na Europa as coisas são rígidas. Se você é pego mijando na rua, multa. Se é pego jogando o lixo de casa de maneira indevida, multa. Se beber demais,  não leva multa, mas chances de ser expulso do rolê são altas. Ver um pornôzinho num sábado à tarde? Só se ligar na companhia telefônica solicitando o desbloqueio do serviço. Ver filmes “de grátis” nos piratões da vida? Difícil. Vai ter que pagar o Netflix.

Fora a quantidade de câmeras espalhadas por todos os cantos. Um amigo que mora aqui há um tempo, comentou que cerca de 90% da cidade é monitorada 24 horas por dia. Quase um Big Brother Gigantão.

É bem por aí que as coisas funcionam. Já cansei de ouvir histórias envolvendo esses tipos de punição. Já vi gente sendo expulsa de casa por causa de festa, outros recebendo multa por pegar o ônibus sem pagar, pessoas que são caçadas por não manterem a frequência nas aulas, e mais um monte que estão por aí pagando por atos que anteriormente eram até que considerados aceitáveis. Eu e meus amigos, por exemplo, dançamos feio mês passado. Recebemos uma cartinha com o presentão de 150 euros para pagar. E o pior, por causa de um mísero lixo. Não tínhamos ideia de que existiam sacos específico para jogar o mesmo. Mentira, a gente sabia, só não queríamos pagar por eles, coisa de poucos euros de diferença para o que compramos. Burros.

Na realidade, não imaginávamos que existia uma equipe preparada para desmascarar os espertinhos. Eles abrem os lixos, procuram cartas no seu nome, buscam seu endereço e mandam o presente.

Como não adianta chorar pelo leite derramado, ou se preferir, pelos vários litros de Guinness disperdiçados, vamos ao que interessa: o último B.O.

Aconteceu semana passada. Era sexta-feira, um dia bonito. Tinha sol, sem chuva e o mais legal: com o frio de férias. Aquele cenário perfeito para pôr as cadeiras para fora, abrir umas brejas e jogar conversa fora.

Não deu outra, demos um pulo no mercado, compramos uma gelada e fomos para rua. Ficamos trocando ideia por bastante tempo, passando pela política e indo até os acontecimentos das últimas festas.

Depois de quase duas horas, quando o papo estava chegando ao auge, fomos interrompidos por eles. Era o carro da Garda, a polícia daqui, entrando na nossa rua.

Passaram pela gente, saíram do carro e bateram na porta dos nossos vizinhos de frente. E por causa de um bloco de anotações na mão, chegamos à conclusão de que seriam repreendidos por algo.

Não deu 10 minutos, e lá foram para o próximo destino, uma república estudantil de espanhóis. Mesma coisa. Caderno na mão, caneta comendo solta, conversa para lá e para cá e tchau.

Quando estava perto da nossa vez, já tínhamos milhares de hipóteses sobre o que estava acontecendo. Uma rua habitada praticamente 100% por estudantes, onde festas rolam de segunda a segunda, certeza que coisa boa não era.

Eles não cansavam. Era casa atrás de casa. Era inevitável que chegaria a nossa vez. Com a cabeça a milhão, começamos a lembrar de todas as possíveis merdas que poderíamos ter cometido. Desde as placas de trânsito usadas como artigo de decoração, até as mijadas pós pub’s nos becos por aí. Não podíamos receber outra multa, muito menos correr o risco de notarem que a decoração de casa era bancada por eles.

Sem mais delongas, resolvemos levar tudo para dentro, trancar a casa e tentar dar uma escapada. Se evitaríamos alguma multa não tínhamos ideia, mas sem dúvida ninguém entraria dentro de casa, o que diminuiria bastante a encrenca.

Quando os pés ameaçaram pisar para fora, lá estavam eles. Pelo visto a visita anterior não tinha demorado tanto.

Olhamos um para o outro, e sem precisar falar absolutamente nada, desejamos boa sorte para aquela merda que estava prestes a acontecer. Não deu tempo nem de pensar em desculpas ou argumentos que amenizassem as possíveis cagadas. Tinha chegado a hora.

“E aê, meninos! Tudo certo? Brasileiros também? Estão aqui há muito tempo? Já trabalham? Estão gostando? E os pub’s?”

Nem eu, nem meu cérebro estávamos preparados para aquilo que estava acontecendo. Se não era a hora de nos fudermos, que hora era aquela então? O que estava rolando? Por que um policial estava na porta da nossa casa fazendo aquelas perguntas? Algumas coisas eles queriam. Óbvio.

Após mais ou menos 5 minutos eles tomaram a frente da conversa e começaram a falar sobre o motivo de estarem ali.

“Então, como vocês já notaram, estamos passando de casa em casa devido algumas coisas não tão legais que estão acontecendo nessa região. Semana passada, duas pessoas tiveram problemas quando voltavam para casa. Por isso, antes de qualquer coisa, queríamos pedir sinceras desculpas pelos ocorridos e dar a nossa palavra que vocês estarão seguros de agora em diante. Gostaríamos também de nos apresentar como os novos guardas da região. Qualquer problema, podem nos procurar, estaremos por aí. Aliás, se preferirem, podem até nos ligar. Anota meu número aí. È da Three.”

Que isso, cara. Sério que um policial veio na minha porta para se desculpar, se apresentar e dar o telefone caso eu tenha algum problema?

Assim como pra gente, acredito que para a maioria das pessoas no Brasil, presença de polícia é visto como sinal de perigo. Talvez seja por isso que tenhamos ficado tão perturbados com aquela situação. Não tínhamos motivos para ficar daquele jeito, muito menos para pensar em fazer o que queríamos. Fugir? De onde veio esse medo, doidão?

O objetivo desse texto não é criticar a segurança do nosso país, muito menos glorificar a eficácia de como as coisas funcionam por aqui. Mas sim, mostrar que morar fora é mais que aprender inglês e fazer umas coisinhas diferentes, é viver esses choques de realidade.

E por mais desagradáveis que talvez eles sejam, te fazem refletir sobre as várias maneiras de fazer com que a roda gire. E o mais legal, quando eles chegam, eles vêm com tudo, mesmo. Não dá tempo de fugir, muito menos de evitar. Eles com certeza vão acontecer, podendo até assustar, mas sempre com o mesmo objetivo: te fazer pensar.

Cheers!

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