LABRFF: Jun Matsui por Andre Ferezini

https://www.youtube.com/watch?v=ePiBSUbVRh0

O filme que vamos compartilhar do Los Angeles Brazilian Film Fest é o documentário “Jun Matsui”. Abaixo, um texto do diretor Andre Ferezini:

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Historicamente, o que temos de mais valor em termos de documentação do campo da tatuagem são livros (alguns bem editados e muito bons), mas do ponto de vista audiovisual, ainda falta um registro mais coerente e preciso em relação ao trabalho dos tatuadores. O que se tem hoje, em sua maioria, são reality shows mais comerciais, que focam principalmente em processos de escolha de desenhos pelos clientes, e em dificuldades de relacionamento de tatuadores turrões. Esse registro, ao meu ver, é colocado de forma muito estereotipada, alegórica, e não representa, de fato, o universo do trabalho e a esfera social, comportamental e até espiritual que permeia a tatuagem.

Uma das minhas intenções ao fazer o filme “Jun Matsui” era exatamente essa – fazer um registro um pouco mais sensível, mais delicado, sobre o ofício dos tatuadores e sobre questões que giram em torno da atividade deles. Eu me propus a fazer isso de forma mais cinematográfica. No fim, acho que fiz o filme do Jun que gostaria de ter assistido antes de conhecer ele. Essa foi talvez a minha maior motivação.

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Sobre o filme em si, talvez um ponto que mereça destaque são as imagens subaquáticas que fiz do Jun. Muitas pessoas me perguntam isso. Ali, minha intenção era de alguma forma traduzir de forma audiovisual um sentimento de um certo “não-pertencimento” que senti que permeava as conversas e o discurso do Jun. Na minha visão, é aquela coisa – um brasileiro que no Brasil é japonês, e no Japão é brasileiro. No final, acho pessoalmente que a identidade dele fica em algum ponto entre os dois lugares, o que faz dele uma figura bem única.

Para representar isso, pensei em fazer imagens dele fora do seu ambiente, debaixo d’água. Fui inspirado por um filme que lá atrás o próprio Jun me apresentou, chamado “Ashes and Snow”. Para a execução, encontrei uma escola de mergulho que ficava a alguns quilômetros de São Paulo, que tinha uma espécie de tanque de treinamento de mergulho, com uma janela blindada debaixo d’água, acessível por uma sala que abrigava equipamentos subaquáticos. Descemos um pano preto para encobrir as paredes azuis dessa “piscina”, iluminamos por cima, e fizemos as imagens, com apoio de um mergulhador.

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O filme foi produzido de forma totalmente independente, ao longo de um período de cinco anos, entre filmagens, montagem e finalização. Ou seja, ele não contou com recursos públicos ou de editais – foi feito no osso mesmo, na raça, usando equipes que estavam próximas por conta do meu trabalho como diretor de filmes publicitários. Por isso consegui realizar algo com pouquíssimos recursos, mas com uma qualidade high-end.

O trabalho do Jun é muito estético, muito forte, tem essa coisa da precisão, da virilidade dos desenhos, então a escolha de fazer um filme mais plástico, mais composto, surgiu naturalmente – me parecia a forma certa de observar aquela pessoa e o seu trabalho. Havia também um interesse meu em conseguir de alguma forma registrar uma transformação, algum “turning point” na vida do Jun, então fui filmando devagar, respeitando o processo normal de aproximação entre nós dois, sem pé na porta. Conheci o Jun quando o procurei para tatuar meu braço esquerdo, e o filme surgiu a partir desse contato – fiquei muito estimulado ao vê-lo trabalhar na sala de tatuagem que ficava na sua casa/estúdio.

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Depois de começadas as filmagens sempre revisitava um pouco o material já filmado antes de rodar a etapa seguinte, então isso ajudou a guiar o que eu deveria filmar em seguida. Eu sabia que havia um filme ali, mas me dei o direito de rodar sem um pré-roteiro ou uma concepção fechada do que queria. “Jun Matsui” é um filme aberto, e eu queria isso, queria me perder no processo.

No final, como eu imaginava, uma coisa foi conectando na outra, o que eu captava antes deixava claro o que deveria vir em seguida, até que um dia eu sabia que tinha o filme que queria na mão, e então segui para a montagem final e finalização/sonorização do material.

Muita gente boa envolvida no processo! Acho que o resultado, mais do que qualquer outra coisa, é mérito do grupo de pessoas e profissionais que se reuniu em torno dessa ideia do filme e da trajetória do próprio Jun Matsui, que ao meu ver merecia um registro desse calibre.

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Sobre a semelhança entre produção de documentários e filmes publicitários:

Existe sim uma correlação. Na minha opinião, uma coisa alimenta a outra. A publicidade faz meus projetos autorais melhores, e vice-versa. Esse ímpeto de “me perder”, como disse antes, de fazer um filme que não estava tão fechado desde o começo, é uma reação à publicidade, por exemplo. Um contraponto. Na publicidade, pelo dinheiro envolvido, pela supervisão que existe e pela precisão que é fundamental na hora de produzir, tudo é muito amarrado, combinado, desenhado, apresentado. O resultado que se vê lá na frente tem que ser surpreendente, mas ainda assim um bom diretor tem que se fazer entender e dar meios para que o cliente e a agência consigam antecipar e antever o resultado final, o que garante a acuidade da mensagem e da entrega.

Já nos projetos autorais, como esse filme sobre o Jun, o filtro final é o próprio realizador, ou seja, trabalho pra mim mesmo nesse tipo de produção, então as regras são outras. Por isso me permito no processo sair um pouco dos trilhos, e depois voltar, porque em trabalhos comissionados isso é mais difícil de acontecer. Filmar documentários, pra mim, é sempre deixar uma janela aberta para que o improvável aconteça, para que o personagem ou o “mundo histórico” invada a tela e mude tudo que está se fazendo.

A prática audiovisual, o fazer fílmico, é o mesmo. Mas as bases que norteiam os dois trabalhos – a publicidade e os projetos autorais – são bem diferentes. Um nasce de uma demanda externa, de uma encomenda; o outro nasce de uma demanda interna do próprio realizador, que quer fazer aquele projeto para explorar algo que ele tem interesse, que não cabe de certa forma dentro dele, e aquilo meio que transborda na forma de um filme, por exemplo. A sensação é mais ou menos essa.

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