Algoritmos e a ilusão da maioria

Há alguns meses, descobrindo funcionalidades do Spotify, comecei a ouvir algumas músicas que tinham sido separadas pelo aplicativo para mim. Para a minha surpresa, era uma lista cheia de canções que logo estariam em minhas playlists particulares.

Outro dia, navegando pelo catálogo Netflix, recebi indicações de documentários que assisti e achei fantásticos. Coincidência? Você já sabe a resposta, mas no caso de haver dúvidas: não.

Provavelmente você recebe uma infinidade de informações que, de alguma maneira, estão cada vez mais adaptadas ao seu perfil. Desde anúncios (que podem ser bem incômodos) dos produtos que você consultou semana passada até resultados de busca personalizados de acordo com a sua localização: os algoritmos estão invadindo cada vez mais a vida de bilhões de usuários ao redor do globo. E isso é fantástico e, ao mesmo tempo, potencialmente perigoso.

Entre os filmes melhor posicionados no IMDB e títulos com mais estrelas na Netflix existe um enorme abismo que tem moldado cada vez mais o comportamento dos internautas. Se, de um lado, há uma enorme possibilidade de descobertas e construção de novos gostos, do outro há um ambiente confortável, desenhado a partir de experiências já existentes, sem riscos ou aventuras. E assim, começa-se a fortalecer gostos a partir do óbvio, criando zumbis que acreditam cegamente que suas preferências talvez estejam sempre entre as melhores disponíveis.

De repente, fica cada vez mais difícil encontrar quem sabe discordar ou consegue reaprender a partir de caminhos e atalhos escondidos. E assim vai crescendo o exército fortalecido pela ilusão de que do seu lado está a força da maioria. Uma geração que corre o risco de, na ânsia de uma busca pelo diferente, estar sendo cada vez mais igual.

Da escolha acertada de Kevin Spacey para o papel de Frank Underwood até a combinação nostálgica da trama de Stranger Things, séries começam a ser lançadas com a segurança da análise de zilhões de bytes. E, claro, embaladas pelo sucesso de quem recebe conteúdos especialmente idealizados para o seu perfil. Mas e aí? Quando ousaremos assistir aquele filme com apenas três estrelas vermelhas, pesquisar novos álbuns de música ou curtir páginas diferentes em nossa rede social?

Usar o passado para prever o futuro é a fórmula da previsibilidade, que pode fortalecer conceitos que constroem muros ao invés de pontes. Lembro-me de um vídeo que assisti há algum tempo, de um show de talentos onde o participante apresentava uma releitura do Lago dos Cisnes. Como amante da dança de rua, ele mescla sua experiência com o clássico dos balés e o resultado é de tirar o fôlego. A única maneira de conseguir algo assim é cruzando barreiras e explorando o que vai além do que está previsto para você, para o seu perfil – de onde você vem, o que consome e interesses latentes.

Que fique claro: sou apaixonada pela tecnologia e pelas infindáveis possibilidades que o Big Data traz. Acredito que o mundo pode ser muito melhor com o bom uso desses novos recursos trazidos para este admirável mundo novo. Mas não é possível ignorar os riscos, ah, os riscos de sermos enformados, encaixados e limitados pelas embalagens previsíveis da lógica limitada de softwares que nós mesmos criamos. Depois de tanto que já foi escrito e produzido, será que cairemos na mais temida das armadilhas: sermos escravos de máquinas criadas por nós?

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