As Bahias e A Cozinha Mineira: sobre ser mulher no mundo

 

SIM SP @aanamoraes @moviola 312

As Bahias e A Cozinha Mineira é um trio formado por Assussena Assussena e Raquel Virgínia, as Bahias, como são conhecidas pela USP, e Rafael Acerbi Pereira, mineiro, colega de faculdade. O grupo se lançou há um ano com o álbum Mulher. Encontrei Assussena, Raquel e Rafael em uma tarde de muito sol no Sumaré. A banda estava aqui para a SIM, Semana Internacional da Música, um evento que juntava muitos artistas talentosos com conteúdo relacionado à música. Bati um papo rápido com eles sobre influências e o disco Mulher.

– Vocês vieram para a SIM, né? Segunda vez?

Assussena: oficialmente é a terceira. A primeira a veio meio que no susto. Nosso primeiro show foi dia 7 de novembro de 2015, e a SIM aconteceu logo em seguida – lembra, Raquel? Aí falaram “Vocês vão tocar na SIM” e eu dizia “sim o que? Demorei um tempão para entender o que era a SIM” [risos] Até hoje a SIM repercute no nosso trabalho. Foi lá que a gente conheceu muita gente que é nossa parceira hoje. Inclusive a Ava Rocha, diva lá no palco, de cocar… ela demorou pra terminar o show e a gente não queria que parasse! E quando a gente viu a Ava, era uma coisa meio Gal – e a gente é gal-costiniano!

Rafael: Elas voltaram impactadas mesmo.

Raquel: Eu acho que a Ava nem sabe o quanto a gente a admira… porque hoje ela virou amiga, mas ela é uma mestra.

– Quem mais são influências para vocês, além de Gal Costa e Ava Rocha?

Assussena: É essa galera mesmo aí – Gal, Elza [Soares], Elis, Bethânia, Gil, Caetano…

Rafael: Eu sou super bairrista, então música mineira, os mineiros todos do Clube da Esquina… a geração de 70 que pro disco “Mulher” foi a fonte que a gente mais bebeu. A gente é setentista.

Assussena: O nosso encontro com a década de 70 foi uma coisa muito orgânica e verdadeira. Foi muito natural: a gente ouviu, ficou impressionado e não parou de ouvir.

Raquel: Eles são tão influenciadores que o nosso sonho agora é botar clipe no Fantástico igual Gal, Elis e Tom Jobim faziam! [risos] Porque é isso, o legal é a gente formar uma cena tão consistente entre todos que não importa onde a gente esteja se apresentando: vai ser aqui, no Fantástico, na Ana Maria Braga com Louro José… vai ser a mesma baixaria.

Assussena: E a gente quer falar de música. A gente não quer dar os espaços de concessão pública para um monopólio, como a música sertaneja, por exemplo. Estamos falando de aparecer em todas as casas de um país que tem uma dimensão continental como o nosso. Então você entende o poder de fala, de discurso, de manifestação ideológica do que significa estar lá no cafundó do sertão da Bahia.

Raquel: Foi incrível o Esquenta, da Regina Casé. Porque no dia seguinte, quem reconhecia a gente não era quem gosta de música diferente e mora na Vila Madalena, que é nosso público. Era o padeiro, o porteiro, o motorista do Uber que tirou selfie com a gente para mostrar para a mãe.

Raquel e Assussena dominam a conversa. Quando pergunto para Rafael como é essa dinâmica, ele responde: “fico aqui no meu lugarzinho, porque acho que o protagonismo de muita coisa que está acontecendo nesta banda se deve a elas. Eu procuro estar muito alinhado com elas para não atravessá-las com tudo que a minha imagem histórica significa – ser um homem branco. Existe uma voz de fala muito ativa nesse projeto que não é a minha e não tem que ser a minha. É um processo de aprendizado imenso.”.

– Falando de lugar de fala, me contem sobre o album “Mulher”.

Assussena: O tema foi super natural e não foi proposital. Depois quando a gente compreendeu o discurso que estava colocado naquela obra. A gente fez tantas canções que parte delas resultou num segundo disco que nascia paralelamente. Então a gente encontrou uma linha mestra que unia uma narrativa, era o que interseccionava toda aquela narrativa.

Raquel: E a gente tinha discussões ideológicas comuns, debates sobre racismo, machismo, sobre história. O que mudou e fez existir a ideia de um disco foi a Gal Costa. A gente ouvia os discos da Gal rigorosamente, em uma espécie de ritual: o disco completo, em silêncio, com as luzes apagadas. Era uma audição muito séria, um processo de trabalho muito radical. Não tinha essa de trazer amigo. A gente se reunia três vezes por semana e fazia uma reunião de banda de três horas, depois comprava um vinho e fazia a contemplação [do álbum]. A partir disso a gente foi entendendo o que era um plano de disco, a narrativa dele, a escolha da sequência e a estética…

Rafael: A gente ficou praticamente quatro anos maturando esse álbum, dessa época até o lançamento. A gente escolheu sair com o álbum completo, e não com um single.

Assussena: Eu chamo de um álbum inocente, porque a gente era marinheiro de primeira viagem. E é um disco que, se a gente fizesse hoje, seria muito diferente, que traz muito aprendizado.

– Por último, como foi o processo de composição?

Raquel: Tanto em Mulher quanto em Bicha [o segundo álbum] cada um trouxe a sua contribuição e a gente foi entendendo como aquilo estava dentro da narrativa, do que a gente queria buscar – dos elementos da natureza, dos signos femininos, dessa mulher como substância. A gente foi na parte pouco romantizada, muitas vezes bruto, buscando a parte mais preciosa dessa perspectiva. Josefa Maria, por exemplo, é uma música mais dura – sobre uma mulher da Paraíba, que sentiu as dores do mundo em seus joelhos “de tanto rezar”. E o nome “Josefa Maria” é a conformação da Sagrada Família no nome de uma mãe solteira – José e Maria. O núcleo é ela. A Sagrada Família é uma mulher. A gente acredita que esse disco traz uma reflexão séria. Mulher é um disco de vida longa. Ele foi feito na resistência e vai resistir. Mesmo que a nossa realidade mude, o registro dessa época vai existir.

 

 

 

 

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