O submundo do WhatsApp e como tem gente ganhando até R$15 mil administrando grupos

Um imenso universo underground, completamente fora do radar dos formadores de opinião da web e da tradicional curadoria de conteúdo.

Por Eden Wiedemann, digital planning focused on social media


Não vejo outra forma de começar esse texto que não compartilhando com vocês o diálogo abaixo para que entendam como conheci esse mundo underground da curadoria de conteúdo.

 

— Que trânsito absurdo, liga aí o Waze e vê qual o melhor caminho.
—  Que Waze que nada, o esquema é o Zapzap.
— Deixa de inventar moda, pô, o Waze serve pra isso.
— Aqui é melhor, vê só — disse enquanto clicava no ícone verde na tela de seu Android.

 

Me mostrou um grupo no Whatsapp com várias mensagens de voz. Deu play em algumas e eu fui arremessado pros anos 80, onde caminhoneiros usavam o rádio amador para, por meio de uma linguagem própria, trocar informações de trânsito. “Aê, cumpadi, se liga que os homi estão parando todo mundo ali no balão do Torto”, “Opa, pé de borracha, olho vivo na entrada de Samambaia que abriu uma cratera”, “Carro de passeio deu um peão na entrada da perimetral, trânsito lento, todas as vias paradas, mas tem um atalho ali na saída da churrascaria…” e várias outras mensagens se desdobravam com dicas de trânsito trocadas por taxistas, motoristas de transporte pirata e outros “pé de borracha”. Era a transposição da dinâmica dos rádios amadores para uma tecnologia atual.

 

— Um grupo só de motoristas, pô, melhor que o Waze porque os caras sabem os esquemas, sabem o que quero evitar e onde e como chegar.
— Curioso. Quem te colocou aí?
— Eu paguei pra entrar.
— Pagou?
— É, R$ 10,00 por mês.
—  Você paga R$ 10,00 por mês pra ter dicas de trânsito em um grupo de Whatsapp? Mas paga a quem? Como?
— Na verdade pago esse dinheiro pra ter acesso a 4 grupos que escolher. Olha, eu faço parte do grupo “bandas sertanejas” — que depois descobri ser uma curadoria de músicas e clipes de novas bandas sertanejas, “Fora PT”, um grupo só com imagens, notícias e vídeos contra o Partido dos Trabalhadores (incluindo vídeos bem agressivos de “coronéis do exército” e outras personalidades cuja a real identidade pode muito bem ser posta em dúvida), de “Humor” — esse não preciso explicar — e de trânsito!
—  E como você paga por isso?
— Eu deposito na conta do cara que é dono dos grupos, mando o comprovante pelo Zapzap mesmo.
— Dono dos grupos
— É, ele já tem uns 400 grupos, todos lotados.

 

Se chegaram até aqui acho que já entendem minha surpresa e admiração. Foi preciso um trabalho investigativo pra chegar até o “Galego”, como é chamado o sujeito que na época tinha mais de 500 grupos de Whatsapp, a maior parte com o limite de 100 pessoas participando, faturando, pelo que eu pude apurar, algo em torno de 15 mil Reais por mês. E isso tem meses, hoje ele pode estar muito, muito maior. Um imenso universo underground, completamente fora do radar dos hard users e formadores de opinião da web, de curadoria de conteúdo!

Ele não quer ter seu nome divulgado. Perguntado o porquê de não querer esse tipo de visibilidade, ele responde na lata: “pra não despertar olho grande”. Segundo ele, os grupos crescem na base do boca-a-boca e todo dia ele recebe indicações de novos participantes e até mesmo pedidos de grupos especializados, como foi o caso do grupo de música gospel.

A maior parte de seus “clientes”, pelo que pude observar, são pessoas simples, dispostas a pagar para que alguém faça a curadoria de conteúdo de seu interesse ou que gerencie um determinado espaço onde possam debater um tema que curtam. O trabalho do Galego, que disse ter dois ajudantes, é basicamente cascavilhar conteúdo na web — e em centenas de outros grupos que ele faz parte — e compartilhar com a rede que criou. Ele ainda tem o cuidado de tentar reduzir o tamanho dos arquivos, coisa que disse ter aprendido na marra, para “facilitar a vida de quem não tem plano de dados bom, pra esse pessoal é complicado”.

O Galego criou um “Netflix” do conteúdo que circula na web.

E o que é mais impressionante é que enquanto os usuários da Netflix — que possuem conteúdo original que custam milhões, filmes, animações e muito mais — reclamam quando o serviço aumenta alguns Reais, o cliente do Galego paga R$ 10,00 por um conteúdo que, se ele tivesse tempo ou conhecesse o caminho das pedras, poderia ter de graça.

Ele paga para que alguém facilite sua vida, alguém lhe proporcione uma melhor experiência no consumo de conteúdo, alguém que tenha a manha de descobrir músicas novas, personagens divertidos ou vídeos que vão sair do seu celular pra toda sua rede de amigos com apenas um “encaminhar”.

Empreendedorismo, economia colaborativa, adaptação à realidade, jeitinho brasileiro e muito mais.

Isso confirmou que boas ideias não tem endereço certo e que oportunidades estão aí, a nossa vista, e nem sempre precisam de milhares de Reais pra ficarem de pé. As vezes precisam apenas de alguém atento o suficiente pra perceber uma demanda reprimida e criativo — ou gambiarreiro — para acreditar que tem como resolvê-la com aquilo que tem em mãos.

O Galego é gente que faz.


PS1.

É real, Eden? É, ele existe.

Ps2.

Mas é pirataria, Eden? Um ponto interessante a se discutir, ele poderia se defender que só faz curadoria daquilo que já circula na web, a maior parte sem ser monetizado ou sem o objetivo de ser monetizado, maasss… essa não é a desculpa de muitos piratas? Acho que a pergunta importante é: tem jeito de lutar contra esse tipo de coisa ou resta fazer como muitos artistas e abraçar essas transformações?

Ps3.

Mas não é trabalho demais, Eden? O Galego, pelo que levantei, vendia CDs piratas na Feira dos Importados, no DF, antes de “ter a ideia”. A pessoa que fez a ponte para que eu pudesse falar com ele revelou — mas ele não confirmou — que ele teve sua epifania depois de muita gente lhe pedir CDs com “aqueles vídeos engraçados que rodam no zap-zap”. Fez todo sentido. Não faço ideia da dinâmica mas imagino que, por mais trabalhoso que seja manter vários grupos com umas duas dezenas de temas diferentes, valha a pena pra um sujeito que vivia fugindo da fiscalização agora faturar 15 mil por mês.

Ps4.

Mas você viu como ele atua, Eden? Não, não vi, falei com ele por Whatsapp, em junho do ano passado. Ele realmente se mostrou pouco interessado em ganhar qualquer tipo de divulgação, acho fácil de entender, não recolhe imposto e atua de forma marginal. O meu interesse não era escrever sobre o tema, eu estava pesquisando o “modelo de negócio” dele, serviu como base pra um projeto que coloquei em desenvolvimento logo depois, mas ele lidou comigo como se eu fosse um jornalista querendo expô-lo.

PS5.

Eden, esse valor não está errado? Ele não devia ganhar muito mais? Ele não abriu quanto ganha, eu intui pela conversa, pelas poucas informações que ele me deu sobre sua estrutura e quanto ele “faz”, o que me fez acreditar que nem todo mundo ali estava pagando. Podia ser fruto do serviço mambembe ou uma estratégia dele (ou ainda ele escondendo o jogo, como disse, não estava muito a vontade), não entrou em detalhes. A questão aí é que ele podia estar ganhando muito mais do que eu intuí. No Facebook, depois da publicação desse post, apareceram alguns relatos de gente que faz a mesma coisa e que ganha muito mais.

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