A noite do cogumelo

“Velho, essa merda é muito forte.”

“Relaxa! Esse é o de três estrelas.”

“Mas velho, e se der merda? Já tomou essa merda antes?

“Não. Relaxa que não vai dar nada.”

É, parece louco, mas é real. Esse é o único papo que rola a respeito. Maneiras para comprar? Super fácil. Como vocês sabem, Amsterdã é o paraíso para todos que querem experimentar coisas que para grande maioria, só por meio da ilegalidade.

Amsterdã foi o primeiro país do mochilão. Antes de chegar, já tínhamos tudo planejado a respeito do que gostaríamos de fazer: fumar maconha, Casa Anne frank, fumar maconha, Museu do Van Gogh, fumar maconha, e por fim, experimentar os famosos cogumelos.

Falando desse último, acho importante deixar claro que nem eu, nem meus amigos, tínhamos usado algo parecido antes. Era mais porque estávamos lá e claro, para saber o barato que dava. Uma vez, por quê não? Ouviu, mãe?

Então, no penúltimo dia, antes de pegar o ônibus para Berlin, decidimos ir a uma das lojas. Mentira, já tínhamos ido à uma caralhada de lugares para dar uma olhada no cardápio.

Enfim, depois de fazer alguma coisa pela manhã, que sinceramente eu não lembro, fomos à uma das lojas espalhadas pela cidade para comprar a bagaça.

Chegamos e fizemos um dez do lado de fora olhando a vitrine. Lembro que ficamos meio assim antes de entrar, imaginando o que as pessoas pensariam da gente se nos vissem lá dentro. Nada, né. Na cabeca deles, o máximo que pensariam, se de fato pensassem algo, era que não passávamos de jovenzinhos querendo experiementar uma sensação diferente, assim como um menino vai ao supermercado e pede para a mãe comprar a barra de chocolate da propaganda da TV.

Tinha de 1 a 5 estrelas. Quanto mais estrelas, mais forte. Chegamos a conclusão de que pegaríamos o de 5 e dividiríamos em 3. Entramos na loja, olhamos mais um pouco, aquela loja era muito diferente. Tinha umas coisas que eu nunca havia visto na vida.

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Não demorou muito e logo uma atendente chegou a nós. Ela usava um jaléco branco. Tipo de médico, sabe? Olha que maluquice, uma médica nos venderia droga à luz do dia com um monte de gente passando na rua. Não é maravilhoso?

“Por favor, a gente quer um pacote do de 5 estrelas”.

Com tom irônico e sem hesitar, perguntou se já tínhamos feito aquilo antes. A gente, com cara de bunda, balançamos a cabeça dizendo que não. Igual aquelas crianças de 4 ou 5 anos que depois de sair do cinema com o tio malvado, quando questionadas se querem ir ao Mc Donald’s, respondem que não sabem, pois nunca comeram antes.

“Ok, sem problemas. Vou pegar umas coisas para mostrar pra vocês antes.”

Ela entrou numa salinha, tipo aquelas que têm em farmácia, sabe? Ficou lá uns 2 minutos e quando saiu, trouxe uma cacetada de tipo diferente de cogumelo. Eram muitos, vocês não tem ideia. Foi explicando um por um, mostrou o apropriado para principiantes, e disse que se quiséssemos ter a experiência completa, mesmo que levássemos o mais forte, dividir em três não funcionaria e acabaríamos jogando dinheiro fora.

Acabamos pegando 1 pacote para cada do de 3 estrelas. Cada um comeria 20 euros de pura magia que nos fora prescripto por uma doutora especilizada em viagens alucinógenas. Não parece mentira? Daquelas histórias que o colega de trabalho conta na segunda-feira referindo-se ao sonho da noite anterior.

Mas então, assim que pagamos pela droga e pegamos a sacola, ela pediu que esperássemos mais um pouco que ainda nos ensinaria como usar. Caralho, além de vender, aconselhar, ela ainda ia nos ensinar como usar. Não é muito louco?

Lembro que olhamos um para o outro e fizemos a mesma cara que filho faz quando o pai responde sim quanto pegar o carro emprestado. “Que porra é essa que está acontecendo?

Disse que precisávamos estar de estômago vazio. Meio que fazer um jejum de 6 horas, mas não para tirar sangue ou dar um mijão, era um jejum com um único objetivo: ficar muito louco. E ela foi clara: “Se não seguirem o que falei, nada vai acontecer e vocês saírão por aí reclamando que o cogumelo da minha loja é ruim”. E pelo contrário, afirmou. “Meus produtos são considerados um dos melhores de Amsterdã segundo a revista Blá Blá Blá.”

Confesso que fiquei até meio cabreiro com a notícia. Estava levemente com um medo de ir para um mundo cheio de coisas estranhas, e não conseguir voltar.

Mas por outro lado, tudo bem também. Nossa querida amiga médica explicou que, depois que a viagem começar, caso quiséssemos que acabasse, era só comer doce que aos poucos as coisas voltariam ao normal. Confesso que fiquei mais tranquilo. Se desse merda era só empurrar doce para dentro que passaria, uma médica estava falando. Não sei porque, mas eu confiava na mulher do jaléco branco com broche de nave espacial.

Fora isso, o último conselho foi que para principiantes, o mais aconselhável era comer de dia. Segundo ela, no escuro, as chances da viagem ir por um caminho indesejado eram maiores. Como não tinhámos o dia, ou seja, fudeu, nos aconselhou ir para o hotel, acender as luzes e fazer a coisa acontecer lá mesmo.

Pegamos as sacolas e saímos. Fomos direto para o mercado, cada um escolheu uns 3 tipos de doces e partimos para o hotel. O medo já tinha passado, afinal, a segurança que aquela mulher passava deixava as coisas menos obscuras. É alguém que vende na legalidade, tem uma porrada de informações sobre o próprio produto, e mais, ensina todas as maneiras para lidar com o mesmo. Não é nenhuma traficante que só quer vender e enfiar qualquer merda em você. Se der ruim, amanhã ela estará no mesmo lugar, no mesmo horário. É bem diferente.

Era por volta das 18 horas, fazia um frio absurdo e o céu já estava completamente escuro. Entramos no hotel, subimos pelo elevador. Parecia que mais estávamos em uma missão do que simplesmente prestes a mergulhar nas nuvens de ideias do subconsciente.

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Chegamos no quarto, jogamos a sacola na cama e começamos os preparativos. Serio, como é fantástico lembrar desse momento. Cada um abriu seu pacote e fez o que crianças felizes fazem quando vão experimentar um brinquedo novo: demos risada, cheiramos, olhamos por todos os ângulos aquelas coisas amarronzadas, tiramos fotos e por aí vai. Estávamos orgulhosos de ter aquilo em mãos.

Cada um experimentou um pedaço, o gosto era amargo, bem ruim mesmo. Pensamos em comer só metade para ver onde aquilo ia dar e quem sabe deixar o resto para outro dia. Pena que um dos soldados, super corajoso, logo colocou um monte na boca, mastigou, engoliu e questionou: “Vai, é a hora de vocês, vamos fazer isso. Foda-se!”

Ok, foda-se! Em menos de cinco minutos o trem da magia já estava dentro dos três soldados a caminho de um destino que ninguém sabia onde ia dar.

10 minutos e nada. 15 minutos e nada. 20 e nada. 25 e nada ainda. 30: risos. Muitos.

As árvores do desenho da parede do quarto estavam se manifestando para mim. Era bizarro como estava ventando naquele lugar. Elas balançavam de uma maneira que por mais louco que seja, aquilo parecia ter vida. Uma espécie de realidade paralela ali na minha frente.

“CA-RA-LHOOOO, O QUADRO TÁ MEXENDO! OLHA LÁ!”

“ME-XEN-DOOO???”

“EITAAAAAAAAAA PORRAAAAAAAA!!!! TÁ MEXENDO MESMO!!!”

O quadro tinha ganhado vida. Juro para vocês, até as paredes pareciam que faziam mais sentido, estavam melhores projetadas, eram mais brilhantes, não sei explicar. Não tínhamos noção, mas tínhamos acabado de ganhar de volta a criatividade e a inocência que apenas as crianças possuem.

E a hora da fada? Eu e minha árvore até que estávamos nos dando bem, mas bastou ouvir o anúncio de que tínhamos companhia para a menina ficar um pouco de lado.

“OLHA LÁAAAAAA! É UMA FADA!!! ELA ESTÁ DANÇANDO PARA GENTE!!!”

Que isso. Deitamos na cama um do lado do outro, colocamos o travesseiro na cabeça como se estivéssemos no cinema do JK Iguatemi, e ficamos encantados observando aquela apresentação. Era apenas um pedaço de linha, que por algum motivo, estava preso no teto e se mexia por causa do vento que entrava pela janela. Mas não, para nós, se tratava da fada de Amsterdã. Melhor, a fada do hotel que apenas se apresentava para os hóspedes que estivessem prontos para desfrutar daquela apresentação magnífica. Queria muito que aquela cena estivesse gravada. Sem brincadeira, aquilo deve ter durado uns 30 minutos. O negócio foi tão longe que chegamos a fazer até comentários a respeito do estilo de dança e sobre qual mensagem ela queria passar com aqueles movimentos.

Só acabou mesmo quando sem querer fechei os olhos e cheguei a conclusão de que meus orgãos queriam de qualquer jeito me revelar uma descoberta. Um novo estilo musical que os seres humanos ainda não tinham se dado conta: o som do corpo humano.

“EITAAAAA, VOCÊS JÁ FECHARAM OS OLHOS? CONSEGUEM ESCUTAR ESSE SOM????

“NOSSSSSSSSSSA, VERDADE! QUE FO-DAAAAAA!!!! QUE FODA, VELHO! VAMOS GANHAR MUITOOO DINHEIRO COM ISSO!!!

Parece loucura, eu sei, na verdade é, né, mas juro que naquele momento, fazia o maior sentido. Era coisa fina de verdade.

Aconteceu que, depois de umas três horas, alguém, que não fui eu, lembrou da quantidade de coisas gostosas que tínhamos para comer. Não deu outra, corre-corre no quarto. Abrimos todos os pacotes de doces, colocamos todos enfileirados e começamos a experimentar um por um, agradecendo por aquela mistura de sabores que entrava em contato com nossas línguas.

Aos poucos a coisa toda foi passando, levando embora toda magia e trazendo de volta aquela normalidade que já estávamos acostumado. Que loucura, cara. Que loucura.

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Se eu gostei? As árvores sabem.

Se eu comeria de novo? Se a fada chamar, por que não?

Se eu aconselho? Eu não, mas a médica do jaléco branco de broche de nave espacial…

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