Quando o castelo desmorona

O apreço por castelos não é de hoje.

Quando criança, bastava um indício de que iríamos à praia para eu e minha cabeça vestida com um corte tigela da moda, começar a correr pela casa gritando de felicidade.

Lembro até hoje. Era chegar, lambuzar o corpo de protetor, tirar as ferramentas da bolsa e correr para lá. Sentava a bunda entre a parte da areia fofa e a água. Naquele espaço que a galera joga frescobol e que os casais apaixonados se declaram. É lá que tem a melhor areia. Ela é molhada, é firme, e é longe de todos que acham que praia só serve para tomar sol e beber cerveja. Adultos…

Que seja, sempre acompanhado por um baldinho e uma pá, lá ficávamos por horas. Claro que em função de uma boa dose de teimosia que ajudava a manter o foco. Eram carrinhos de sorvete que passavam, porções de batata frita que chegavam, convites para pegar jacaré que atormentavam, e por aí vai.

O intrigante dessa história é que todo trabalho começava com uma certeza meio suicida. Você demorava horas deixando aquilo impecável, bonito, com a areia lisinha, para de repente, ouvir lá de longe: “Bru, vai se lavar, vamos para casa”; ou pior, ver a maré subir aos poucos, sabendo que qualquer ondinha poderia acabar com tudo.

É difícil assistir um treco que você demorou tanto pra construir, desmoronar de repente. Sempre acontecia e sempre eu ficava bravo. Curioso, né?

Digo isso, porque mês passado, decidi que pararia de fumar. Lembro que nos primeiros dias, dizia que a única coisa ruim de parar de fumar é saber que o próximo cigarro nunca vai chegar. Na minha cabeça, aquilo tudo não passava de uma grande tragédia.

E os clássicos cigarros pós-almoço? Todos aqueles papos sobre a vida? A cerveja com os amigos no final de semana? Que até os pós-melhores prazeres da vida teriam outro gosto.

Enfim. Depois de três semanas, a vontade já tinha passado. As comidas estavam mais gostosas e até os cheiros das coisas eram mais perceptíveis. Talvez só estivesse buscando motivos para provar que aquela perda era realmente recompensadora.

Negócio é que, sabe aquele lance da maré subir do nada? Então, aconteceu semana passada. Daquelas que te pegam de surpresa e te transformam em, sei lá, num manequim impotente sem poder de decisão? Então, mais ou menos isso.

Resgatei um isqueiro no fundo da gaveta, peguei um cigarro da mesa ao lado e fui focado. A cada passo, um dia de esforço para o ralo. Eu sabia que me sentiria mal, mas não tinha o que fazer. Aquela maré era mais forte.

As mãos tremiam. Não por vontade de fazer aquilo, mas por saber que a onda que acabaria com os vinte e cinco dias de trabalho estava logo ali: louca para fuder com tudo e gargalhar depois. Malditos cigarros filhos de uma puta que eu amo tanto e não consigo viver sem.

Coloquei o cigarro na boca e puxei o isqueiro do bolso. Da primeira nada. Da segunda também não. Estava sem gás aquela merda. De duas uma: ou encarava como um aviso e desistia; ou acionava o modo foda-se e ia atrás de outro.

Claro, opção dois. Que graça teria?

Caminhei por alguns segundos e abordei a primeira pessoa com cigarro na mão. Desesperador, né? Nessa altura do campeonato, até a voz da consciência que suplicava por um milagre já tinha desistido. Coitada. Essa é brasileira. Tentou, tentou, tentou de novo, e nada.

Aconteceu que, como sabem, eu fumei, né. A primeira tragada não foi uma das mais gostosas. Pelo contrário. A sensação era de ver algo grandioso nas mãos, que aos poucos, ia se desfazendo conforme as partículas de fumaça iam entrando goela abaixo.

Um minuto depois, o cigarro já tinha acabado, e toda aquela grandiosidade ido embora com as cinzas perdidas no chão.

Dado evento, uma semana se foi, enquanto um novo maço também. Sem ainda previsões de tempo bom, que aproveitemos enquanto é tempo. Uma hora a ressaca da última maré vai passar. E sem dúvida, convites à praia vão chegar. Talvez até em maior quantidade.

Aguardemos. Fumando. Infelizmente. Felizmente. Ih.

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