Coloque seu consumidor no marketing – ou perca o emprego para ele

Dizem que Henry Ford, ainda lá na primeira metade do século passado, depois do sucesso de seus automóveis, teria lançado a genial frase: “Se eu tivesse perguntado o que as pessoas queriam, elas teriam me pedido cavalos mais rápidos”. Se disse, provavelmente estava corretíssimo. Mas há uma enorme pegadinha na sentença para aqueles que a transformam em verdade absoluta, numa interpretação literal e preguiçosa.

Realmente não são todos os consumidores que sabem o que querem. Menor ainda o número consciente e disposto a entregar a receita do sucesso para uma marca qualquer, de graça. Mas não dizer explicitamente não significa não demonstrar – e aí está o segredo. Um exemplo mais prático: ninguém em sã consciência teria dito a Steve Jobs que gostaria de ter um tablet, sendo que aquele “iPhonão” sequer existia e não tinha qualquer serventia antes de ele ir lá, lançar e transformar o comportamento de milhões de usuários que hoje, por muitas vezes, nem lembram mais como usar um notebook (beijo, mãe!).

Ouvir o consumidor vai muito além de escutar o que ele diz ou ler seus posts revoltados no Facebook quando algo dá errado. Muito mais que você funcionário ou dono, que está 100% envolvido – do emocional ao olhar viciado e à burocracia de processos –, ele só se importa se aquilo vai funcionar, ser legal, custar o justo (ou menos) ou ajudar de alguma forma. E são as reações naturais, mais do que qualquer pesquisa simples, que mostrarão para um olhar atento quais são os próximos passos a se tomar.

Nessa toada, vale lembrar que a Coca-Cola nasceu como um xarope e o Bom-Bril foi por muitos anos o mais eficaz potencializador de antenas para televisões analógicas (lembra?). Mais recentemente, o Twitter nasceu como um despretensioso diário para dividir com amigos, em poucas palavras, o que você estava fazendo naquele momento; e o Snapchat para incentivar você a trocar nudes sem culpas com seus prospects. E só.


Exemplos práticos

Há uma semana, participei do 8º Fórum de Marketing Empresarial, realizado no Guarujá (SP) pelo Lide, Grupo de Líderes Empresariais. Lá, mais do que a discussão sobre os novos modelos de agência, remuneração e parceria entre os players que sustentam a comunicação, o que me chamou a atenção foram exatamente alguns exemplos, soltos entre uma apresentação de PowerPoint e outra, que ilustram como grandes marcas criaram ou remodelaram produtos e serviços baseados em pequenos feedbacks de usuários – ou de forma ainda mais sensível, evitaram decisões que seriam altamente prejudiciais (sim, muitas vezes a melhor coisa a se fazer é não fazer nada). Separei seis deles aqui, que considerei pertinentes:

“O Waze nasceu nas mãos de um grupo de pessoas que hackeavam os serviços de um GPS para atualizar os mapas e deixá-los mais funcionais. Ele nasceu colaborativo e livre. Cobrar o usuário pela utilização iria contra sua essência e poderia matar o produto”. André Loureiro Pereira, country manager (Brasil) e líder regional do Waze para a América Latina.

“Em um certo momento, vimos um comportamento estranho em relação ao nosso aplicativo. Um número enorme de clientes baixava, usava para pagar as contas e deletava logo na sequência. Isso acontecia quase todo mês. Só depois de ir a fundo descobrimos que era porque eles tinham pouco espaço e banda no aparelho para mantê-lo por lá. Foi aí que decidimos criar uma versão light”. Andrea Pinotti, diretora de marketing do banco Itaú.

“O serviço começou com proprietários colocando gente estranha dentro de suas próprias casas. E só deu para chegar a um produto interessante e funcional com a participação ativa e reativa do usuário. Eles não só foram fundamentais para encontrarmos o modelo ideal de negócio, como começaram a criar experiências que recentemente deram uma nova diversificação à nossa oferta”. Leonardo Tristão, country manager do Airbnb no Brasil.

“Nem líderes globais de mercado podem ficar presos ao que já conquistaram. Nós lançamos recentemente um serviço de lavanderia depois de perceber que menos e menos pessoas estavam fazendo em casa. A Omo quer ser sempre sua marca preferida quando falamos de cuidados para roupas, mesmo se você não lava mais a sua”. Patricia Amaro, diretora digital e de e-commerce da Unilever para América Latina.

“Quando começamos com o Now, 5 anos atrás, as programadoras evitavam liberar seu conteúdo no serviço on demand com receio de perderem audiência. As que entraram, porém, perceberam depois de pouco tempo que acontecia o contrário: o usuário começou a descobrir conteúdos interessantes que ele nem sabia que existia, e passava a assistir aquele canal. Hoje, muitas delas lançam primeiro lá, por pura estratégia”. Alessandro Maluf, diretor de produtos em vídeo da NET e Claro TV.

“Antigamente, as pessoas passavam longe de óticas. Era a coisa mais desinteressante do mundo. O clima era de consultório e nossos Ray-Bans, por exemplo, eram três vezes mais caros que os comprados em Miami. Depois de descobrir esses dois motivos, remodelar inteiramente o ambiente da loja, gerando uma experiência muito mais agradável, e toda a logística de produto para chegar a preços competitivos, foi questão de tempo para sairmos de 55 para mais de 1.000 lojas”. Ronaldo Pereira, presidente da Óticas Carol.

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