Qual é o tom?

Pegou o violão e foi acompanhando a descrição do roteiro com um jingle que havíamos criado.

Quando entrei na McCann em 1970, como redator estagiário, havia uma sala com redatores e outra sala, no fim do corredor do mesmo andar, com os chamados ilustradores, desenhistas. Não nos falávamos, não trocávamos ideias.

Mas havia um andar poderoso, acima do nosso em todos os sentidos. Era o andar dos 12 Generais: os “donos” das grandes contas.

Não eram do Atendimento em si, que era praticado por sargentos e recrutas. Porque os 12 Generais mandavam e decidiam tudo direto com seus clientes.

Eu tomei a iniciativa de montar uma dupla com o Cláudio Oliveira Santos, um dos ilustradores do fim do corredor, meu grande amigo por afinidade pessoal e profissional.

Foi uma ousadia informal, que fomos levando assim meio que na clandestinidade, em off, em paralelo ao processo oficial da agência.

Funcionava assim (ou não funcionava, convenhamos): o Atendimento passava o briefing para o Tráfego, que escolhia burocraticamente um de nós, redatores, pra supostamente criar. O redator era quem pensava e escrevia pra, depois, algum ilustrador qualquer, também aleatoriamente escolhido, fazer um layout.

Aí o Tráfego levava a proposta criativa para o Sargento, que a apresentava para o General.

Caiu nas minhas mãos um job pra um saponáceo de pia, louças. Chamei o Cláudio de Oliveira Santos, um dos ilustradores talentosos, pra criarmos juntos, o que era uma heresia. Criamos um anúncio, material de ponto de venda e um filme.

Repito: o processo de aprovação era simples: a Criação apresentava as ideias para o tal Sargento da conta e, ele mesmo, apresentava depois para o General-mor da conta.

Se fosse aprovada nessa última instância hierárquica, aí a proposta criativa estaria praticamente aprovada pelo Cliente, que seria apenas informado pelo General específico, o “dono” da conta.

Só que o Cláudio e eu pedimos para o Sargento nos deixar apresentar diretamente para o General, nós mesmos, sem a intermediação dele.

O Sargento relutou, consultou o General e lá fomos nós três apresentar a criação diretamente para o General: o Cláudio, o Sargento e eu.

Na sala austera, escura e solene, o General não nos olhava, não falava com a gente. O Sargento era nosso intérprete.

Eu dizia “Bom dia, senhor” e o Sargento transmitia ao General: “Bom dia, senhor”.

O General resmungava para o Sargento: “Vamos à campanha” e o Sargento nos dizia: “Vamos à campanha”.

E assim foi o tempo todo. Eu apresentei o anúncio para o General, que nem olhava pra mim, e o Sargento repetia minhas palavras tudo de novo.

O General fazia algum comentário e o Sargento repetia o comentário pra mim e para o Cláudio. Foi assim também com o material de ponto de venda.

Mas foi diferente com o filme. Na explicação do roteiro, eu me levantei, encenei, dancei, sapateei, interpretei. O Cláudio pegou seu violão e foi acompanhando a descrição do roteiro de TV com um jingle que havíamos criado.

Terminada nossa performance musical em dupla, entregamos o violão pro Sargento e dissemos: “Agora é com você. Vai, faz isso pra ele: encena, toca, canta e dança pra ver se ele aprova.”

O Sargento, humilde e hierarquicamente, se submeteu e fez o que pedimos.

O General não aprovou e quase perdemos o emprego. O Cláudio, o Sargento e eu.


Texto publicado originalmente no Blog do Perci

 

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