House of Cards, Kevin Spacey e os algoritmos

Demorei para assistir a 5ª temporada de House of Cards. Um pouco pela correria do fim de ano, mas principalmente para acompanhar os desdobramentos do caso Kevin Spacey. E, claro, matar a curiosidade por “Dark” e “The Sinner” (recomendo fortemente a 2ª).

Foi uma polêmica interessante, um embate que não se previa. De um lado, os algoritmos: a base que fez a Netflix se tornar o Davi que abalou as estruturas dos Golias midiáticos em todo o mundo. De outro, um caso de assédio sexual cometido pelo protagonista da série. Pela 1ª vez, encontraram-se em lados opostos: a inteligência virtual e a consciência humana.

A Netflix começou a implementar inteligência algorítmica para compor suas séries desde que começou a se aventurar em produções próprias. Justamente a composição de investimento de peso, roteiristas renomados e entendimento da preferência de seus espectadores, trouxe à companhia – antes somente uma “locadora virtual de filmes antigos” – em um dos maiores ganhadores de prêmios Emmy da atualidade. E o que a diferenciou dos gigantes, como HBO, Paramount e Fox? Justamente a aplicação prioritária de códigos que resultavam, de forma binária e detalhada, no direcionamento de cada episódio, cada personagem e, até mesmo, na continuidade de uma próxima temporada.

House of Cards foi a 1ª delas. O sucesso foi estrondoso. Claro que o elenco contribuiu com o pontapé inicial, atraindo milhões somente na expectativa de assisti-los, porém a perpetuidade se determina pelo roteiro, e não pela simples presença de artistas estrelados. Certamente, esta série dramática sobre a presidência americana – tema retratado centenas de vezes no cinema e na TV, i.e. The West Wing, Veep) teria um futuro ainda mais promissor do que as 6 temporadas, conforme anunciado recentemente. Os desdobramentos do casal Underwood na alternância do poder seria uma fonte inesgotável de episódios, ainda mais se considerarmos que o mandato de Claire Underwood estaria apenas começando. Porém, o deslize comportamental de Kevin Spacey derrubou todas as estimativas de sucesso.

Kevin Spacey, sendo o protagonista principal, trazia para House of Cards o dinamismo do contraponto com sua esposa Claire. Inúmeros temas eram debatidos, além da presidência: machismo, homofobia, infidelidade, crimes, traumas e, até mesmo, discussões polêmicas como o sistema de saúde americano, ambientalismo (e o protocolo de Kyoto), além de uma sátira direta ao presidente russo. Porém, um tema não foi pensado: como o assédio sexual, um comportamento vil e imprevisível, por tantos anos retratados em Hollywood, poderia tomar vida e derrubar todas as composições estatísticas analisadas pela inteligência artificial da série.

Já há alguns anos, acredito que desde a 3ª temporada, a Netflix percebeu que Claire Underwood, espetacularmente interpretada pela também produtora da série, Robin Wright, se destacava popularmente entre os espectadores. Tanto que foi ganhando cada vez mais destaque, temporada a temporada. Mas, ainda assim, Kevin Spacey era o ponto principal que manteria o equilíbrio do drama marido-esposa/presidente-vice/homem-mulher.

Os algoritmos, realmente, não conseguiram prever o comportamento humano. Aliás, de todas as discussões sobre inteligência artificial, a única que pouco foi debatida (talvez por falta de respostas) é a robotização da mente humana. Como trazer sentimentos, impulsos e reações puramente subjetivas para a máquina? Mesmo combinando inúmeras variáveis, comuns a determinado comportamento (o que facilitaria a previsão de outro) o ser humano é dotado do nunca-replicável fator surpresa. Alan Turing, também retratado em outro filme espetacular, mostrou que o emocional-afetivo humano impacta diretamente a calibragem da máquina. Lembram-se da Tay, robô da Microsoft que virou racista e nazista pelo Twitter, simplesmente por reproduzir do comportamento humano?

Por isso, por mais que Watsons, Edgards, Turings e demais organismos virtuais com nomes bastante reais – evoluam em suas predições, trazendo cada vez mais realismo e automação, ainda teremos um fator dominante por séculos: a natureza humana. E, essa, ainda dará muito trabalho para os matemáticos evolucionistas, engenheiros de software e executivos de CRM. Nenhuma tecnologia pode trabalhar de forma isolada. Nenhum humano pode trabalhar de forma impulsiva. A+B nem sempre resultarão em AB. Temos sempre que considerar as variáveis C a Z.

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