A distopia que devemos temer não está nos jornais – nem nas séries

“devemos temer mais manipulações”

Principais apostas dos grandes estúdios internacionais, as distopias fomentam debates importantes e alavancam uma audiência inquestionável, mas sua popularidade não reflete as preocupações que deveríamos ter no momento, segundo defende a socióloga especializada em tecnologia, Zeynep Tufekci.

A estudiosa utilizou cada minuto de seu palanque no TED para explicar que a “vigilância digital” parece demonizar a inteligência artificial, mas peca na profundidade: “não devemos temer o que a inteligência artificial vai fazer ‘por conta própria’, mas como as pessoas no poder vão usá-la para nos controlar e manipular — às vezes de maneira sorrateira e inesperada”, explica.

Em seu discurso, Tufekci lembrou ainda que a maioria da tecnologia que ameaça a nossa liberdade e dignidade num futuro próximo está sendo desenvolvida por empresas que capturam e vendem informações a nosso respeito para empresas de publicidade e afins.

Tendemos a minimizar alguns recursos da publicidade digital, como o banner de um determinado produto que parece nos acompanhar por todos os sites que navegamos. “Você olha um par de botas e, mesmo decidido a não comprá-las, elas o seguem por todos os cantos da web. Não estamos falando de nenhuma novidade ou tecnologia de ponta do mercado publicitário, mas isso começa nos dar pistas do que está por vir”, sentencia. Adendo: continua te perseguindo mesmo se você comprá-la.

Para melhorar explicar seu ponto de vista, a socióloga propõe uma comparação ao o que acontece em supermercados, onde doces e balas são estrategicamente posicionados em prateleiras junto aos caixas, na linha dos olhos das crianças. “Isto se chama ‘arquitetura persuasiva’. Não é uma prática ilegal, e certamente é eficiente, por isso vemos esse cenário se repetir em todas as lojas que vamos”, completa.

Essa arquitetura persuasiva física é delimitada pelo espaço físico finito — só se pode colocar ali um número conhecido de produtos, um problema que deixa de existir no mundo virtual. Além da capacidade a princípio infinita, a arquitetura persuasiva online é mais apurada no que oferece, criando um cenário específico para cada “cliente”.

Tudo isso, de acordo com Tufekci, molda a nossa sociedade, uma vez que os mesmos algoritmos usados para afinar os dispositivos de ads são empregados nas notícias — e nas temidas fake news.

Em um experimento social feito por conta própria, a socióloga passou a acompanhar no YouTube os discursos do atual presidente dos EUA, Donald Trump, quando este ainda era um mero candidato ao cargo. Ela, que é branca e pertence à classe média, notou que os vídeos sugeridos pela rede, na barra lateral, eram ligados à ideia de supremacia branca — “e o conteúdo ia ficando cada vez mais extremo”, completa.

Ao assistir os discursos dos então candidatos democratas, Hillary Clinton e Bernie Sanders, o YouTube passou a sugerir vídeos sobre teorias da conspiração envolvendo o partido americano mais à esquerda.

Longe de ser uma mera coincidência, Tufekci colocou em pauta ainda uma declaração feita por um dos responsáveis pela candidatura de Trump, que afirmou categoricamente que fez uso de dark posts – aqueles que não aparecem na timeline da página em questão e são exibidos no feed de notícias dos fãs escolhidos por meio da segmentação que você fará – para desencorajar homens negros de estados-chaves a não votarem na eleição de 2016. O conteúdo desses dark posts é desconhecidos, pois o próprio Facebook se recusa a tornar pública a mensagem.

Embora entenda bem os complexos arranjos econômicos que ditam as regras das mídias sociais, Tufekci pede maior ética na proteção de nossos dados, jogando luz nas normas europeias, que são mais rigorosas no que diz respeito à privacidade do usuário.

Por fim, a especialista volta a bater na tecla de que somos comercializáveis sem responsabilidade ou limite por grandes empresas de dados, e que isso é dar munição a um sistema sem escrúpulos, que tenta nos moldar aos seus interesses.

Sem chegar a conclusão alguma, o post veio por que achei o papo interessante (uma não é tão recente, mas que continua me perseguindo e a você também, provavelmente).

E agora, quem poderá nos salvar?

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