A partícula fundamental das histórias

Em 2007 resolvi pegar o pouco do dinheiro que me sobrava e usar o período de férias para fazer o popular ‘mochilão pela Europa’

Em 2007, então no auge da crise do jovem-adulto, resolvi pegar o pouco do dinheiro que me sobrava no ano e usar o período de férias para fazer o popular ‘mochilão pela Europa’ e, finalmente, conhecer o Velho Continente.

Mas não se engane, isso não significou festas alucinantes em Ibiza financiadas pelas jóias da família, mas sim colocar a roupa para uma semana em uma mochila e encontrar os hostels mais baratos da era pré-AirBnB onde eu pudesse trancar minhas coisas em um locker e tomar um banho quente. Com o perdão da apropriação memética, não era um mochilão Nutella.

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Na época tinha um emprego divertido mas pouco frutífero em uma agência de publicidade de renome. Uma equipe bacana, daquelas cujo happy-hour não é uma reunião estendida de briefing, mas um momento para rir dos momentos tragicômicos da vida publicitária. O salário era ruim, mas tinha cerveja de graça na geladeira. Para quem é do mercado de comunicação, a expressão “ah, agência, né?” resume esta realidade. Aos que não são, imaginem que seus conhecidos pensam que você está na cerimônia do Oscar quando, em sua dura realidade, está servindo de babá para egos deslumbrados. Ah, era agência, né?

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Bem, além das atividades profissionais regulares das 9h às 2h, também vivia um relacionamento daqueles que colocamos “é complicado” no Facebook. Tão divertido quanto os happy-hours da agência, porém no qual nos recusávamos a aceitar que éramos grandes amigos que riam e dormiam juntos e não pessoas buscando criar uma unidade, uma família, em qualquer significado que lhe possa ser atribuído.

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Praça Puerta del Sol – Madrid

Primeiro destino da viagem, Madrid, Espanha. E, logo no primeiro território estrangeiro, a vida manda aquela mensagem que visualizamos, mas não respondemos.

Região de Puerta del Sol, em meio a um festival de música na rua avistei a garota mais estonteantemente bela que havia visto na vida. Não, não era uma atração carnal sobre algum atributo físico; tampouco esta turista que cruzava meu caminho poderia ser vista como a unanimidade da perfeição venusta em seus 1,65m. Para mim, contudo, causava a hollywoodiana sensação própria quando a música fica mais distante, abafada e tudo começa a se movimentar em câmera lenta. Em seus vinte e alguns anos, parecia viajar sozinha, pois carregava em suas mãos um guia de viagens da Espanha.

À época, não me era familiar nenhum alfabeto que fugisse do que conhecemos de Greenwich pra cá, então imaginei que se tratava de uma versão em grego de tal guia. Aproximei-me e, munido de uma coragem (cara-de-pau, autoconfiança, escolha o termo) que não me é própria, perguntei com interesse à garota se ela era grega, com genuíno interesse nas possibilidades de intercâmbio cultural, já que Atenas seria meu próximo destino nesta jornada em classe mais que econômica.

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Мадрид для туристов.

Ela se desculpou. Do alto de uma simpatia envolvida em um sorriso eslavo sem igual, me esclareceu que o livro, que dividia meu interesse com as palavras que saiam de sua boca, na verdade, estava em alfabeto cirílico, pois Madrid era seu primeiro destino após as horas de vôo da Rússia.

O plot twist acontece quando este anjo moscovita me pergunta se eu precisava de alguma ajuda sobre Madrid ou sobre qualquer lugar da Espanha, já que a catatonia de meu olhar lhe indicava que, talvez, eu estivesse realmente perdido.

Como, além do universo, não há limites para a estupidez humana, desculpei-me, não sem antes comentar que pensei que, se fosse grego ela poderia me dar algumas dicas sobre os monumentos helênicos, enquanto minha mente questionava se não seria ela uma das representações mitológicas de tal povo.

Mesmo com sua tréplica de que não poderia me ajudar com a Grécia, mas que tinha todas as informações sobre a Espanha em suas mãos e com clara demonstração de que também não queria seguir pelas ruas madrilenhas sozinha (obviamente fato que só foi percebido por mim alguns dias depois), este ignóbil ser que vos escreve não pensou na inteligente possibilidade de responder “Claro! Vamos dar uma volta e descobrir o que Madrid tem a oferecer”. Ao invés disso…. eu agradeci…. acenei…. e fui embora.

Existem poucas coisas na vida as quais me arrependo de NÃO ter feito e tal acontecimento seguramente ocupa as primeiras posições. E se eu houvesse percebido a possibilidade que se mostrava à minha frente? E se, ao invés de seguir meu caminho solo, tivesse passado os dias seguintes compartilhando vodkas e caipirinhas? E se tal garota se mostrasse alguém com quem manteria contato mesmo do lado de cá do Atlântico? E se agora eu estivesse falando em russo com minha família? (E não apenas com minha cachorra. Sim, a Suka, ela é fluente em russo. Sem mais perguntas).

Multiversos quânticos

O físico teórico norte-americano Brian Greene é um dos cientistas que discutem teorias de multiversos, grosso modo, a existência de universos paralelos a este que conhecemos e que podem ou não interferirem uns nos outros.

Um dos modelos de Greene trata do Multiverso Quântico, de uma maneira simplista, uma divisão causal criando variações futuras da vida de cada um de nós em função de cada pequena escolha que fazemos (a realidade se subdivide cada vez que um estado quântico resulta em uma possibilidade distinta). De mãos dadas com o Efeito Borboleta, um dos resultados da Teoria do Caos de Edward Lorenz, consideremos que cada pequena escolha, como atravessar uma rua ou não, pode resultar em consideráveis mudanças em nossas vidas, em uma consequência impensada de eventos.

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O multiverso quântico é a combinação desta infinidade de possibilidades coexistindo paralelamente e simultaneamente. Isto significa que existem tantas histórias de sua vida quando as escolhas que fez ao longo dela, das ditas ‘grandes decisões’ que conscientemente temos que tomar na vida – como qual carreira profissional seguir – às mais infames predileções feitas inconscientemente.

Estas perspectivas acabam revelando a partícula fundamental da vida e, claro, das histórias que nela se inspiram: “E se?”

E se?

Muitos dizem para nos contentarmos com (esta) realidade, deixar de fazer elucubrações a respeito do que não aconteceu ou daquilo que não temos (teríamos?) controle. Mas, ao fazer isso, deixamos de lado o combustível fundamental das histórias: o escapismo da realidade – ou desta opção de realidade. E nada melhor do que esta partícula fundamental como gatilho para a imaginação.

O poder do “E se?” é enorme. Ele rompe barreiras temporais, pois nos dá a opção de viajar ao passado – “E se tivesse acontecido de um jeito diferente?” – e de ampliar as possibilidades futuras – “E se eu tomar esta decisão? O que acontecerá?” -, além de imbuir o presente de maneira dissimulada, pois, a todo momento, realizamos julgamentos sobre nossas ações, fazendo com que o presente, na verdade, não exista. O presente é puramente uma análise do passado e uma projeção futura. Quando uma decisão é tomada, as demais possibilidades foram renegadas a outro multiverso e já passamos a pensar no próximo passo. Vivemos milissegundos no futuro com nossas projeções enquanto, no momento que tomamos consciência de um fato, ele efetivamente já ocorreu.

A criação de histórias parte e retroalimenta-se constantemente desta partícula fundamental, “E se?”. Ela oferece a liberdade ao criador de assumir o papel de Criador, com letra maiúscula (em um contexto filosófico, não necessariamente religioso) na construção de universos narrativos que se tornam imersivos pelo natural anseio humano de expandir sua existência para outros locais do cosmos.

E se existisse um mundo mágico escondido dos humanos, onde filhos de bruxos, a partir dos 12 anos, frequentam uma escola onde pode aprender a manipular seus poderes?

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E se vivêssemos em uma simulação de computador, criada para nos manter complacentes, enquanto nossos corpos são usados para gerar energia a seres mecânicos que dominaram o planeta?

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E se a Alemanha Nazista tivesse vencido a Segunda Guerra mundial, conquistado os Estados Unidos e agora a América estivesse sob uma divisão de espólios entre Germânicos e Japoneses?

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Ah, e se você conhecer alguma russa, loira, por volta de 1,65m, que em seus vinte e poucos anos estava viajando por Madrid quando um rapaz de mochila lhe perguntou se seu guia de viagem, claramente em russo, era grego, me add no VKontakte.

Прости! Я был действительно глуп!

 

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