Paixão Impossível: efeito garra

Quando vi a cena em que Tom Cruise quebra o tornozelo saltando entre dois prédios, pensei: puxa vida, esse cara é realmente louco.

Quando vi a cena em que Tom Cruise quebra o tornozelo saltando entre dois prédios, pensei: puxa vida, esse cara é realmente louco. Durante as gravações do mais novo filme da franquia Missão Impossível o senhor Cruise arriscou a vida, mais uma vez. O ator tem um extenso histórico de ferimentos graves e de quase morte por causa de sua carreira cinematográfica. Para os desavisados pode parecer que Tom sempre foi essa figura, que ousa desafiar o perigo e a si mesmo, enfrentando desafios cada vez mais arriscados a cada filme que faz. Mas, nem sempre foi assim.

“Encontre a sua paixão” é um dos mantras mais repetidos dos últimos tempos. Conselho típico em aconselhamentos, sessões de coaching, livros, etc., etc., etc.; mas, parece que não tem funcionado bem.

A nova geração se mostra engajada com valores bem diferentes, mostrando que buscam bem-estar a despeito da grana que podem ganhar. As décadas de catequização, sob os auspícios da máxima de que se você encontrar algo que ame nunca precisará trabalhar um só dia na vida, estão mostrando um resultado não muito satisfatório. Esse catecismo acabou criando a ideia de que se não me sinto bem com o trabalho que estou fazendo, devo pedir as contas e partir rumo a novas aventuras. Muito bom! Na verdade, muita gente encontrou a sua arte, o seu elemento, a sua paixão, quando resolveram jogar tudo pra cima e dar um reboot em suas vidas. Mas, nem tudo são flores nessa história.

“Encontre sua paixão” pode ser um conselho terrível, revela um novo estudo que vem questionar a sabedoria comum sobre como devemos escolher nossas carreiras.

Gostar do que se faz é sim uma premissa de ouro. O problema é que a métrica atual para avaliar quase tudo em nossas vidas passa por um filtro com imensa resistência ao que não pode ser percebido instantaneamente. O “instantâneo” condicionou nossa forma de pensar, nossa percepção do mundo, a nossa mentalidade ou como se diz atualmente nosso mindset. Carol Dweck, pesquisadora de Harvard, que também participa do estudo mencionado acima, junto com seus colegas afirma que nossas verdadeiras paixões não são “encontradas”, mas “desenvolvidas”.

É muito conveniente acreditar que o grande “amor” de nossas vidas estará nos esperando, prontinho, pleno, completo e intensamente disponível, com a nossa cara, logo ali, na próxima esquina. Lamento informar-lhe, mas, na verdade, a coisa não funciona bem assim. Por isso tanta confusão hoje em dia. A pessoa, o emprego ou a coisa que tanto queríamos encontrar ou “ter”, depois de um curto espaço de tempo, começam a exigir uma série de “cuidados” e graus variados de envolvimento, a fim de se manterem plenos, completos e intensamente disponíveis, daí, nessa hora, começamos a nos questionar se esses eram realmente os personagens da tal história de nossas paixões pessoais.

E viveram felizes para sempre.

A promessa de felicidade eterna depois de terminada a “grande busca” pode se tornar um problema complicado para todos que acreditam nisso. Após matar o dragão e se casar com a princesa, nos resta apenas a célebre e conveniente frase “E viveram f. para sempre”… Só nos esquecemos que a rotina vem no dia seguinte, que após todo e qualquer evento épico vem a cobrança diária pela manutenção da vida como ela realmente é. Não é possível viver de acordo com a lógica dos contos de fadas ou dos videogames. A realidade faz exigências, cobra caro e não aceita cheques pré-datados.

O estudo mostrou que muita gente começa a desistir nos primeiros sinais de dificuldade. Nessa hora, a maioria pensa que esses problemas iniciais são a prova de que não encontraram a sua verdadeira paixão, de que não estão no lugar certo, como se só valesse o prazer contínuo e ininterrupto. Nossos pais tiveram que aprender a nos amar. Depois de toneladas de dificuldades, fraldas sujas, remédios, noites em claro e muita, muita pirraça, eles ainda estavam lá. Mas, não se engane, muitas vezes eles estiveram perdidos, sem saber o que fazer, com o coração apertado, se sentindo fracos e, muitas vezes, inúteis.

A arte de criar filhos é agridoce. Assim, como a arte de viver!

Se os pais do futuro começarem a jogar seus filhos na primeira lata de lixo, só porque não se sentem mais à vontade com eles, seria um caos. E pensar que já existe gente que faz isso hoje. Lamentável. São casos raros, mas não podemos negá-los. Estamos vivendo uma crise generalizada, que representa uma falta sistemática de paciência; não conseguimos ir além dos 60 segundos de vídeo, dos 3 meses de namoro, da décima página, do segundo quarteirão, da quarta música, da primeira repreensão feita pelo coordenador ou pela gerente, depois de um erro no trabalho. Estamos intolerantes.

É preciso um tempo para as raízes se firmarem. Jogar a semente ao chão, e esperar que em um passe de mágica brote uma árvore completa soaria ingênuo ou até mesmo estúpido.

O estudo mostrou que acreditar numa meta fixa faz com que as pessoas limitem suas possibilidades. A certeza absoluta de que a sua “paixão” é apenas desenhar florais pode restringir o alcance de seu talento, por exemplo. Se houver empecilhos aqui e ali, e você simplesmente mudar a direção e manter o foco fixo naquilo que acredita vai acabar criando mais estragos emocionais que benefícios. A pesquisa de Dweck procurou mostrar que a flexibilidade e capacidade de adaptação podem ser aliadas poderosas na construção de uma carreira repleta de surpresas; umas ruins, que servem de fertilizantes para novos aprendizados, e outras muito boas, que podem direcionar a carreira de quem se abre para novos horizontes, perspectivas e possibilidades.

Quando Tom Cruise adquiriu os direitos da franquia Missão Impossível, ele já era um ator reconhecido, mas com rasa experiência em filmes de ação. Ele fez uma escolha. Após o primeiro filme da saga, nunca mais o veríamos ou o perceberíamos da mesma forma. Ele tinha participado de grandes produções, contracenado com nomes sagrados da sétima arte, e se tornado um dos queridinhos de Hollywood. Mas, isso não foi suficiente pra ele. Cruise queria mais, e pagou caro, literalmente, para transformar-se na marca que é hoje. Você pode não gostar da série, mas é difícil negar o seu esforço para criar plots criativos, cheios de ação e realismos, que minimizam o uso de CGI. O cara dispensa dublês em praticamente todas as cenas; seu objetivo maior é garantir máxima experiência emocional ao seu público. Isso, definitivamente, não tem preço.

Ele não precisava fazer isso. Mas fez assim mesmo. Colocar a vida em risco é muito mais que apenas colocar o emprego ou uma amizade ou até mesmo um relacionamento em risco. Na busca de nossas paixões precisamos amadurecer nossos conceitos e entender que mudanças acontecem mesmo sem a nossa permissão. O mundo faz exigências, e se a gente apenas acenar com a cabeça quando for conveniente vamos acabar fazendo parte do entulho que é gerado durante as revoluções das quais decidimos não participar. Paixões que buscamos por motivos equivocados são ilusões, coisas impossíveis de se realizar. Mas, se houver garra para ir além, a despeito das dificuldades, e mesmo coragem para ajustar a rota no meio da viagem, tudo fica mais interessante.

Nossas paixões não estão prontas e não podem ser compradas em lojas de conveniência. Lamento dar essa notícia. Quando ampliamos as possibilidades dá, sim, uma certa angústia. É bom quando podemos ver o caminho todo, o cenário completo, mas na vida isso só acontece em livros e no cinema, onde até para fazer sucesso ou encontrar a paixão verdadeira é preciso abrir mão do conforto, e partir para novas experiências, parecendo louco, às vezes. Afinal, o mundo faz exigências. Lembra?

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