Não existe futuro

… a menos que seja criado com crítica, criatividade, comunicação e colaboração

Quando o pau comeu durante o ludismo, movimento social ocorrido na Inglaterra entre os anos de 1811 e 1812, ninguém entendia porque aqueles sujeitos estavam tão putos com a evolução tecnológica. Contrários aos avanços ocorridos na Revolução Industrial, os ludistas protestavam contra a substituição da mão de obra humana por máquinas. O nome do movimento deriva de um dos seus líderes, Ned Ludd.

Theodore Kaczynski também protagonizou algo parecido. Entre 1978 e 1995, o Unabomber, como ficou conhecido, enviou 16 cartas-bomba, muitas delas contra universidades, que deixaram três mortos e 23 feridos. Adolescente superdotado, ele havia seguido uma carreira brilhante como matemático, graduando-se em Harvard, doutorando-se na Universidade de Michigan e chegando a professor-assistente em Berkeley. Olha o nível do cara.

Kaczynski, como os ludistas, não gostava do rumo que a tecnologia estava tomando e temia consequência graves para o mundo, principalmente nos países mais pobres. “A revolução industrial e suas consequências foram um desastre para a raça humana. Aumentaram a esperança de vida dos que vivem em países avançados, mas desestabilizaram a sociedade e condenaram os seres humanos à indignidade”, trecho de seu manifesto publicado nos jornais The Washington Post e The New York Times. Em troca pela publicação ele prometia deixar de promover atentados. Hoje, cumpre 8 penas perpétuas em Florence, Colorado.

A sua prisão, após anos despistando o FBI, foi uma grande ironia. Ele só foi capturado porque o seu irmão mais novo David identificou traços de seu discurso exatamente no texto publicado nos jornais. Os agentes chegaram à sua cabana, no meio da floresta, bateram na porta e foram recebidos sem nenhuma cerimônia pelo terrorista mais procurado dos Estados Unidos. Caso encerrado.

Só que não.

Estamos todos extasiados com o que a tecnologia tem feito por nós. E, a cada dia, ela se torna cada vez mais democrática. Atingindo mais pessoas em todos os cantos do mundo. Hoje, é praticamente impossível dizer onde a tecnologia da informação não está presente. Está cada vez mais barata e muito mais intuitiva. Não há quem resista aos seus encantos. A vida sem um dispositivo eletrônico é quase impossível. Tente imaginar passar apenas um só dia sem contato com seus brinquedinhos de telas brilhantes.

A leitura do livro 21 Lições para o século 21, de Yuval Noah Harari, tem chamado a minha atenção. Já me incomodava a ascensão da tecnologia a níveis cada vez mais altos, tomando conta de nossas vidas, em setores críticos. Adoro a tecnologia, sim. Sempre me encantei com ela. Foi paixão imediata quando me deparei com um computador pela primeira vez. Mas, muita coisa mudou desde 1985. Computadores não são mais enormes caixas brancas colocadas sobre mesas de mogno, à espera de serem ligadas por um programador experiente. Hoje, qualquer criança de pouca idade tem em suas mãos dispositivos com o poder de processamento maior que o utilizado pela NASA para mandar o homem à Lua.

O que tem me assustado na verdade são as recorrentes matérias sobre o futuro dos empregos e, por esse motivo, também o futuro dos sistemas de ensino. Haverá escolas como as conhecemos em 2030 ou 2050. O Fórum Econômico Mundial já defende há algum tempo as habilidades para o profissional de um futuro não muito distante. Eles mesmos já resumiram a famosa lista que tinha 10 itens para apenas 4, com o que consideram mais importante. Daí nasceram os 4C’s, ou seja, pensamento Crítico, Criatividade, Comunicação e Colaboração. Quatro itens que, ironicamente, não estão presentes na maior parte das escolas do mundo.

Se vivemos em um mundo que amplia a ação da tecnologia cada vez mais para posturas ativas, dando-lhe autonomia para tomar decisões baseadas no aprendizado que acumulam das interações com os humanos, como será nos próximos 20 ou 30 anos se ainda precisamos motivar praticamente toda a população mundial para um caminho que as próprias máquinas já estão indo e muito mais rápidos que nós?

Haverá empregos? Ou, ainda precisaremos de empregos?

Resumo da primeira Revolução Industrial: bastava o aperfeiçoamento de habilidades básicas em leitura e matemática; os professores são especialistas ou dominam bem as suas próprias áreas; a experiência de aprendizado é baseada no modelo industrial em série, passivo, estruturado e dirigido em massa; o tempo de vida escolar é definido e só acontece em salas de aula comuns.

Resumo da Quarta Revolução Industrial: precisa haver um desenvolvimento holístico, com ênfase nas múltiplas inteligências; o professor deixa de ser o centro das atenções, e passa a ser um facilitador no processo; a experiência de aprendizado torna-se personalizada, ativa, pautada na exploração e busca auto dirigida; o tempo de aprender não tem fim; todos podem e devem ensinar; o acesso ao aprendizado acontece em todos os lugares e através de todos os meios disponíveis.

Harari fala de uma possível crise, pois a evolução tecnológica está acontecendo muito mais rápido do que conseguimos dar conta. Todas as sociedades estão sofrendo mudanças drásticas com a implantação de constantes novos recursos. Quase não é possível uma adaptação plena das novidades, até que outra já esteja disponível. Fica cada vez mais sufocante. O crescente poder das máquinas e a incapacidade de lidarmos com a sua presença em quase tudo em nossas vidas vai pôr em risco o mundo como o conhecemos?

Estamos acostumados a esperar que nossos governos façam alguma coisa. Afinal, nas democracias a gente coloca o poder nas mãos de governantes para que eles nos salvem, muitas vezes de nós mesmos. E sabemos que não é tão fácil assim, por muitos motivos. As máquinas vão continuar assumindo o controle, até porque é inevitável que seja diferente. Odiamos trabalhos repetitivos. Na verdade, odiamos trabalhar. Só o fazemos porque nos pagam por isso. O mercado prefere as máquinas pois são mais confiáveis, mais obedientes e mais baratas. Ou seja, se não quiser, em breve, se tornar um inútil comece a pensar diferente, e agir diferente.

As máquinas já estão nos monitorando, aprendendo o máximo que puderem. Elas ainda não têm vontade própria, são apenas brinquedos sofisticados nas mãos de especuladores em busca de lucro. Foi assim no passado distante e deverá ser assim por um bom tempo. A menos que as escolas ou outro meio nos ajude e sermos mais criativos, com nosso senso crítico estimulado em níveis mais consideráveis, valorizando a comunicação franca e aberta e o poder da colaboração.

Os computadores antigos não ofereciam tanto “risco” à humanidade, até que foram ligados em rede e começaram a trocar informações. Isso mudou tudo. A humanidade também mudou a sua própria história quando acreditou que a Terra não era o centro do universo, e que nem mesmo era plana, e que poderia haver muito mais além do horizonte.

O medo está fazendo com que muitos países comecem novos ciclos de nacionalismo, fechando fronteiras. Antigas ideologias que foram o terror do mundo no passado começam a nos assombrar. Estariam os ludistas de volta? Precisamos ter medo do futuro e ameaçá-lo com bombas? Passamos tempo demais achando que estava tudo bem, deitados eternamente em berço esplêndido. As questões que a história oferece a quem ainda está vivo, e consciente de sua existência, precisam ser respondidas no tempo certo. E, hoje, as demandas são cada vez mais complexas.

Não existe futuro, como nunca existiu. Só existe o presente e o que fazemos nele. O tempo imediato é a oportunidade para fazemos o que deve ser feito. Erramos e acertamos e no seguinte momento imediato a vida nos cobra a conta.

Esperar que algum governo simplesmente nos governe, mostrando a direção, com bandeiras e ideologias, muitas vezes antiquadas, vai acabar nos atrasando ou pondo tudo a perder. Claro que é preciso um governo, mas não dá para ficar de braços cruzados à espera de um milagre. O presente exige crítica, criatividade, comunicação e colaboração. E isso dificilmente será oferecido de graça por um governo tradicional, pois seria o antídoto para a sua própria ineficiência. E eles dificilmente vão querer largar o osso. Vamos ter que tomar a força, ou estaremos condenados.

Claro que para que isso funcione bem vamos precisar de muito senso crítico, além de um espírito criativo, comunicativo e colaborativo sem precedentes. Pois, sem isso, estaremos condenados a continuar como estamos, e isso já é uma condenação. Talvez, a pior de todas!

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