Tudo sobre a saga do livro “A Garota Na Teia de Aranha”

Incapaz de passar uma borracha em alguns de seus erros e traumas, Stieg Larsson fez da escrita o seu purgatório e divã: a série Millennium, da qual é autor, é uma narrativa fantástica com inserts de realidade — porque sangue e tinta se diluem com frequência na literatura.

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Segundo depoimento de um de seus melhores amigos, Kurdo Baksi, Stieg era atormentado pela culpa de se calar diante de um brutal estupro, testemunhado aos 15 anos de idade. A vítima, uma jovem chamada Lisbeth, nunca o perdoou pelo silêncio do rapaz, que viu a possibilidade de, talvez, se redimir pela covardia batizando a heroína errante de sua história como Lisbeth Salander, uma hacker cheia de traumas que combate o crime com a ajuda de um jornalista.

É ainda por conta desse episódio trágico da adolescência de Stieg que o autor é tão incisivo com crimes sexuais no livro, condenando sem nenhuma piedade os responsáveis por atos tão abomináveis.

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o autor, David Lagercrantz

Seu colega na vida real, Daniel Poohl, que edita a revista Expo, criada por Larsoon, conta ainda que a série Millennium foi também criada para chamar a atenção dos suecos quanto à crescente onda de racismo e antissemitismo, algo que verdadeiramente o preocupava.

“Larsson nunca se importou muito com o dinheiro, ficar rico não era sua prioridade. Em vida, acredito que ele nunca tenha ganhado mais que 30 mil dólares por ano”, relata Daniel à CBS.

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Apesar do desinteresse por questões financeiras e a pureza de suas intenções ao publicar esta série, o sueco arrecadou milhões com o seu trabalho: foram mais de 70 milhões de cópias vendidas no mundo todo, com livros traduzidos para 44 línguas e lugar cativo, ainda hoje, na lista dos ebooks mais vendidos do planeta.

“Jamais poderíamos prever um sucesso nessas proporções”, confessa uma porta-voz da editora Norstedts, que detém os direitos da série.

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De fato, nem mesmo Stieg poderia sonhar com algo assim, sobretudo depois de ser recusado por algumas editoras e ver seu manuscrito acumular poeira nos quatro meses que ficou em repouso sobre a mesa da sala de estar dos Larsson.

Mas como a vida tem a mania de imitar a arte, o sueco teve uma morte por muitos considerada suspeita apenas cinco meses antes de seu primeiro livro ser impresso. Boatos apostam em teorias da conspiração e na hipótese de envenenamento, mas para todos os outros Stieg morreu de ataque cardíaco mesmo, já que fumava muito e mantinha hábitos nada saudáveis, sendo um workaholic confesso.

Foi  essa mania de trabalhar (e sonhar) demais, inclusive, que o levou a planejar uma série com 10 volumes, mesmo tendo abocanhado um contrato para a  publicação de “apenas” três livros.

Mesmo sem garantias, Larsson se debruçava na escrita do quarto título quando veio a falecer. Para dar continuidade ao legado do gênio sueco, a família Larsson e a editora contrataram o jornalista policial David Lagercrantz para concluir o que Stieg não pode.

Questionado sobre a responsabilidade de finalizar um livro de outro autor, ainda mais diante do sucesso estrondoso que os primeiros títulos alavancaram, Lagercrantz disso ao Economic Times que trabalha melhor quando “colide com outro mundo”, e continuou: “Eu disse desde o princípio que eu precisava ganhar a confiança do universo Millennium. Não seria mais um livro do Stieg Larsson, mas a minha interpretação de sua história e personagens. Eu escrevi sobre o matemático Alan Turing, e depois sobre o ídolo do futebol Zlatan Ibrahimovic — porque é isso o que eu faço de melhor, mergulhar em coisas que são desconhecidas para mim”.

Apesar das diferenças, Larsson e Lagercrantz compartilham o desejo de combater a intolerância, o xenofobismo e a ultra-direita que ganha cada vez mais espaço na Suécia — uma batalha não é nada fácil nem pra quem escreve, nem para quem lê ou, agora, assiste: o filme “A Garota na Teia de Aranha” promete ser fiel à intensidade até das cenas mais duras, cumprindo seu papel de provocar.

Esse enredo com críticas ácidas e ações nada sutis é tem como efeito colateral a inquietação própria de nossos tempos — porque antes da cura, todos temos que passar pelo purgatório, de alguma forma.

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