Ódio ao elogio II

Por que ela cutuca o animal selvagem que está adormecido nos bastidores da nossa mente. Por que todos lembram de Simon? Talvez, porque ele tenha entendido que um simples parabéns sirva apenas para manter uma poderosa força presa no subsolo de nossas mentes, se apagando, dia após dia.

Esta é a segunda parte do texto ÓDIO AO ELOGIO.
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Falando sobre tecnologia e o impacto das revoluções digitais que acontecem nesse exato momento, Yuval Noah Harari comenta que se você não se sente em casa dentro de seu próprio corpo, “nunca se sentirá em casa dentro do mundo”. Ele comenta o efeito que as redes sociais estão causando em todos nós que as usamos. Estamos hiper-conectados. Mas, ainda somos 100% humanos, dependentes de instintos primitivos. Em um passado longínquo, nos satisfazíamos com um pedaço fresco de cervo e um galho seguro no alto de um Baobá; porém, hoje, a sensação de segurança é um pouco mais complexa. O excesso de contato com o digital nos fez esquecer que temos um corpo físico. Atualmente, parece que somos apenas as sensações que conseguirmos arrancar de nossos dispositivos eletrônicos.

E parece não ter fim…

O problema é que não podemos confiar em máquinas, pelo simples fato de que são feitas e controladas por seres humanos, e esses seres não são confiáveis.

António Damázio diz que sem a luz das artes e das humanidades, “as ciências não podem iluminar sozinhas a totalidade das experiências humanas”. A ciência criou as redes sociais, e as redes sociais espalharam mentiras em todos os lugares que alcançam. A Internet é um anseio da humanidade há milênios, desde que o homo sapiens partiu na direção do horizonte, em busca de novas experiências. O ser humano cria porque imagina; e também mente pelo mesmo motivo. Epitáfios são sempre positivos porque ninguém conhece o outro lado da morte. Por isso é mais fácil louvar quem “ousou” cruzar a linha, pois temos a certeza de que todos nós cairemos no mesmo buraco. Então, é melhor jogar rosas ao invés de pedras.

Alexander Pope foi inspiração para o filme “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças”, dirigido por Michael Gondry, que escreveu o roteiro com Charlie Kaufman e Pierre Bismuth, o qual lhes rendeu um Oscar. No trecho do poema de Pope ele diz “Como é imensa a felicidade da virgem inocente / Esquecendo o mundo, e pelo mundo sendo esquecida. / Brilho eterno de uma mente sem lembranças! / Cada prece é aceita, e cada desejo realizado”. Sabemos que seremos esquecidos, e a inexperiência nos impele na direção do desespero, quando vale quase tudo. Fazemos qualquer coisa para justificar o fato de que a vida nos engole sem misericórdia.

Algumas das vítimas de Simon Cowell, em programas como Britain’s e America’s Got Talent, voltam ao palco, meses ou anos depois, mesmo tendo sido humilhadas pelas ácidas críticas do jurado mais famoso do mundo. Gosto de assistir a esses programas; eu os considero inspiradores. Vejo pessoas dentro de si mesmas, exalando timidez e nervosismo, até a hora em que são autorizadas a começar suas apresentações. Os “bichinhos assustados” transformam-se em imensos colossos, disparando raios e trovões em todas as direções. Impressionante. Assim que a música termina, voltam à forma original, tremendo dentro de suas conchas.

Por que a crítica saudável é importante?

Por que ela cutuca o animal selvagem que está adormecido nos bastidores da nossa mente. Por que todos lembram de Simon? Talvez, porque ele tenha entendido que um simples parabéns sirva apenas para manter uma poderosa força presa no subsolo de nossas mentes, se apagando, dia após dia.

Por que, às vezes, é bom esquecer?

Porque, como disse Nietzsche, assim podemos tirar proveito de nossos erros. Como disse Pope, merecem elogios apenas aqueles que têm força suficiente para suportar as críticas. Sem isso, seremos apenas uma plateia muda, em um cemitério cheio de lápides que, infelizmente, costumam não contar histórias que refletem a verdade.

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