Sobre a música e seus benefícios

A música é quase indispensável no cotidiano. Aristóteles (2010) a considera o “princípio dos encantos da vida”, útil na educação e agradável para o lazer. O musicólogo Zuza Homem de Mello (2014, p. 32) reflete:

“Como festejar sem música?

Como dividir emoções, como evocar momentos, como reconquistar vitórias de batalhas perdidas, como bastar na solidão, compartilhar prazeres, como se socorrer de um sofrimento?

Como amparar-se, como curar uma dor de cotovelo sem uma canção?

Tal qual rostos humanos, formados pelos mesmos elementos sem que um seja igual ao outro, as notas musicais misturam-se, entrelaçam-se em combinações tão diferentes uma das outras, capazes de provocar sensações tão variadas quanto os sentimentos de um ser humano. Em forma de melodias, elas estão presentes em toda sorte de momentos marcantes da vida”.

O guitarrista dos Rolling Stones, Keith Richards, escreveu em Vida (2010, p. 75) que a música vicia mais que heroína.

“Uma nota leva a outra e você nunca tem exatamente certeza do que vem depois, nem quer saber. É como andar numa corda bamba maravilhosa”, diz

Para Nietzsche (2001, p. 11), “[…] sem a música a vida seria um erro”. De modo provável, a inexistência da arte musical mudaria parte da essência humana. Mais que simples entretenimento, ela também se transformou em código para expressar sentimentos; expor críticas; revelar o estado de espírito; demonstrar afeto. A música se assemelha à linguagem. Conforme Adorno (2008, p.167), a analogia entre música e discurso está na “qualidade de sequência temporal de sons articulados, que são mais que meros sons. Eles dizem algo, frequentemente algo humano”. Rocha e Boggio (2013, p.135) explicam essa semelhança: “Para a fala, utiliza-se grande variação de timbres em um curto espaço de tempo, formando-se vogais e consoantes. Na música, há maior variação de alturas e a duração de cada som é maior do que a fala”.

Presente em todas as etapas da vida humana, a música tem sido objeto de estudo de neurocientistas que buscam entender os seus efeitos nas habilidades de raciocínio. Neste campo, o The Mozart Efect (Efeito Mozart) se destaca. Em 1993, os pesquisadores em desenvolvimento cognitivo Gordon Shaw e Frances Rauscher identificaram que depois de ouvirem a sonata de Mozart para dois pianos (K448) por dez minutos, “indivíduos normais mostraram habilidades de raciocínio espacial significativamente melhores que os indivíduos direcionados a ouvirem instruções de relaxamento ou ficaram em silêncio” pelo mesmo tempo. A análise também revelou que “as pontuações de QI (Quociente de Inteligência) espacial médio foram de oito e nove pontos a mais depois de ouvir a música do que nas outras duas condições”. Uma explicação para os resultados obtidos, segundo o estudo, pode estar na maneira como música e imagens espaciais são processadas dentro do cérebro.

Seguindo os mesmos padrões do Efeito Mozart, um estudo coordenado pelo pesquisador Chakravarthi Kanduri, da Universidade de Helsinki, na Finlândia, sob a liderança do Dr. Irma Järvelä, concluiu que escutar música erudita (clássica ou de concerto) com frequência “aumenta os genes associados à função cerebral e ajuda a prevenir doenças neurodegenerativas”, como o Alzheimer. Durante a pesquisa, foram examinados testes sanguíneos de 48 pessoas antes e depois de escutarem o concerto para violino número 3 de Mozart. A audição da obra do compositor austríaco ampliou a atividade dos genes envolvidos na secreção de dopamina; na neurotransmissão sináptica; na aprendizagem; e na memória. Os autores da pesquisa observam que os “resultados dão novas informações sobre o fundo genético molecular da percepção musical e evolução e pode dar mais introspecções sobre os mecanismos moleculares subjacentes da musicoterapia”.

Na Alemanha, pesquisadores do Instituto Max Planck de Neurociência e Cognição Humana de Leipzig realizaram um experimento na intenção de descobrir em qual parte do cérebro humano a música fica armazenada. Após duas etapas de análises, em que 32 indivíduos saudáveis (entre 22 e 28 anos), 20 pacientes com doença de Alzheimer (entre 68 e 90 anos de idade) e 34 com saúde controlada (de 68 a 72 anos) ouviram trechos de canções de sucesso e outras desconhecidas, constatou-se que a “música fica alojada em áreas do cérebro diferentes das áreas onde outras memórias são armazenadas”. Publicada na revista científica Brain, a pesquisa destacou que “as regiões identificadas para codificar a memória musical correspondeu a áreas que mostraram atrofia substancialmente mínima […] em comparação com o resto do cérebro”, ou seja, as regiões da memória musical são relativamente poupadas na doença de alzheimer em relação às que são associadas à “memória episódica, semântica e autobiográfica”. A música tem poderes que atingem o homem e a sociedade de maneiras particulares. Não por acaso, seu desenvolvimento está ligado às transformações socioculturais. Nas palavras de Lovelock (2013, p. 6), “a música, tal como a pintura, a escultura ou arquitetura, tem sido afetada continuamente por fatores externos, em especial as condições e mudanças eclesiásticas e sociais”.

Em constante mudança, as artes em geral exprimem o sentimento do autor e/ou refletem a sociedade onde ele está inserido. Byrne (2014) observa que o processo criativo é inverso, seja de forma consciente ou inconsciente. As obras são criadas para se adaptarem aos lugares onde serão exibidas.

Os significados e os significantes da música são subjetivos. Por isso, ela se faz presente nos diferentes segmentos da sociedade. A religião tem grande responsabilidade no progresso da música feita no ocidente. Grande parte dos compositores prestaram serviços à Igreja Católica. Eles eram pagos para criar as músicas que seriam executadas no decorrer das missas. O clero detinha o “controle” das artes, mas não de forma exclusiva. Os burgueses e governantes também contratavam músicos, geralmente os mesmos empregados pela igreja, para escrever canções. As músicas encomendadas, de acordo com Lovelock (op. cit., p. 8), deveria ser “aceitável para o gosto de seu patrão, sendo esse gosto largamente ditado pela moda do momento”, nada que soasse antigo nem moderno.

Até a Reforma Protestante, iniciada no século XVI por Martinho Lutero, na Alemanha, a música religiosa tinha o objetivo de incentivar os fiéis a se dedicarem aos devocionais diários, porém a congregação não participava ativamente dos momentos de “louvor” porque eram cantados em latim (idioma usado pelos líderes católicos). Lutero fez a música acessível ao povo. Durante as reuniões da recém-criada igreja protestante, ele introduziu letras no idioma local, fazendo-as entendidas entre os participantes. Lovelock (op. cit., p. 8) salienta que se “Lutero nunca tivesse desencadeado sua luta contra os abusos da igreja, os prelúdios corais de Bach, bem como suas cantatas e paixões, talvez nunca tivessem sido escritos”, e acrescenta:

“É preciso, agora, considerar os efeitos da Reforma sobre a música. À parte as matérias puramente doutrinais, os objetivos musicais dos reformadores […] eram praticamente os mesmos, ou seja, que as letras, no vernáculo, deviam ser ouvidas e entendidas pela congregação, e que as próprias congregações tinham que participar no canto. Os calvinistas foram, em certos aspectos, os mais radicais, permitindo apenas versões métricas dos salmos. Os hinos, feitos pelo homem e não bíblicos foram considerados inaceitáveis” (LOVELOCK, op. cit., p. 87). É inegável dizer que o catolicismo teve grande importância na evolução das peças musicais. Por outro lado, nas “mãos” dele, as artes transformaram-se em instrumentos de poder e alienação. Do teocentrismo (entre os séculos IV e XV) ao romantismo (no século XVIII), a música foi primordial para os serviços religiosos. Entretanto, em paralelo aos hinos, segundo Lovelock (op. cit.), obras poéticas, consideradas profanas, foram introduzidas na sociedade por saltimbancos (Inglaterra), trovadores (França) e Minnesingers (Alemanha). As narrativas dessas cantigas tinham um lado teatral, um jeito de interpretar que Copland (1974) diz ter origens na “música dos selvagens”, e no canto religioso. Os grupos não mantiveram as atividades por um longo tempo, mas influenciaram artistas da vanguarda.

O período romântico (1815–1910) elevou o status dos músicos. De meros empregados, sem reconhecimento e poder de decisão nos trabalhos que produziam, compositores se transformaram em artistas com total controle de suas criações. A música deixou de ser mecânica e popularizou-se. Lovelock (op. cit.) observa que até o final do século XVIII, grande parte da música era escrita com uma finalidade ou para ocasiões específicas. Compor era algo “industrial”, o espírito artístico existia, porém poucos o conheciam puramente. O romantismo transformou a música em determinados aspectos: o desenvolvimento da harmonia; o surgimento de composições nacionalistas (políticas); a criação das “formas livres”, estilos que saíam dos padrões teóricos da música clássica.

Sobre essas formas, Copland (op. cit., p. 131) deixa claro que “se o compositor começa a trabalhar com alguma ideia extramusical, é natural que ele julgue as formas musicais existentes excessivamente restritivas para os fins a que se propõe”. Em determinados aspectos, as primeiras experimentações prepararam o terreno para a chegada da música contemporânea do século XXI. Seguindo os pensamentos de Lovelock (op. cit.), não é possível identificar de imediato quais as ideias ou experiências darão resultados positivos ou negativos. A realidade é que a música sempre estará em metamorfose.


Referências:

ADORNO, Theodor. Fragmento sobre música e linguagem. Trans/Form/Ação [online]. 2008, vol.31, n.2, pp. 167–171. Disponível em: <<http://dx.doi.org/10.1590/S0101-31732008000200010>>. Acesso em: 10 set. 2015.

ARISTÓTELES. A Política. Tradução de Nestor Silveira. 1ª ed. São Paulo: Folha de S. Paulo, 2010.

BRAIN — A Journal Of Neurology. Why musical memory can be preserved in advanced Alzheimer’s disease. Volume , Issue , 3 June 2015. Disponível em:<http://brain.oxfordjournals.org/content/early/2015/06/03/brain.awv135>>. Acesso em: 02 nov. 2015.

LOVELOCK, William. História Concisa da Música. 3ª ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013.

MELLO, Zuza Homem de. Música com Z: artigos, reportagens e entrevistas (1957–2014). 2ª ed. São Paulo: Editora 34, 2014.

NIETZSCHE, Friedrich. O crepúsculo dos ídolos ou como se filosofa com o martelo. São Paulo: Companhia Das Letras, 2006, p. 11.

RICHARDS, Keith. Vida. Tradução de Maria Silvia Mourão, Mario Fernandes e Renato Resende. São Paulo: Globo, 2010, p. 75

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