A Favorita ao Oscar?

Ao lado do longa Roma (produção da Netflix), o filme A Favorita, dirigido pelo diretor grego Yorgos Lanthimos, lidera o número de indicações ao Oscar 2019: dez, incluindo as de Melhor Filme e Melhor Diretor.

Entretanto não é de se estranhar que a marca mais impressionante alcançada pela produção foram as indicações de suas três protagonistas nas categorias Melhor Atriz (Olivia Colman pelo papel de rainha Anne) e Melhor Atriz Coadjuvante (Rachel Weisz pelo papel de Lady Sarah Churchill e Emma Stone pelo papel de Abigail Masham), feito que não acontecia desde 1943, quando o longa Rosa da Esperança fez o mesmo ao ter suas três atrizes também indicadas: Greer Garson a Melhor Atriz e May Whitty e Teresa Wright para Melhor Atriz Coadjuvante.

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Cartaz internacional do filme A Favorita

O filme é ambientado na Inglaterra do século XVIII, onde Yorgos consegue expor com melancolia a realidade da realeza da época, em especial a rainha Anne, que sofre diversos problemas de saúde durante grande parte de sua vida por conta de problemas emocionais relacionados a sua família que a assombram e sua gota (doença que afeta gravemente as articulações). É interessante observar como a atuação de Olivia mostra a dor física combinada aos seus traumas emocionais e a sua solidão, sentimento esse que a figura máxima da monarquia sente ao se ver desamparada, insegura, sem pessoas de confiança ao seu redor com quem pudesse falar como igual. Complementar a esse aspecto, o uso de lentes grande-angulares extremas em alguns momentos do filme acentua ainda mais a ideia de centralidade da rainha e de sua consequente solidão, ao deixa-la no centro de uma bolha, como se essafosse uma realidade própria. E é aqui que a personagem de Rachel Weisz entra em cena: Ela representa uma conselheira e confidente que traz a estabilidade e autoridade que a rainha tanto almeja, mesmo que Lady Sarah se aproveite de seu relacionamento com a rainha em prol de seus interesses. Com a chegada de Abigail (interpretada pela Emma Stone), porém, essa relação se vê ameaçada pelos interesses dessa nova personagem, que a cada cena mostra-se cada vez mais interessada em desenvolver uma relação afetuosa com a rainha.

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Imagem do filme com a rainha Anne (Olivia Colman, a direita) e Lady Sarah Churchill (Rachel
Weisz, a esquerda)

O filme é dividido em oito capítulos, cada um intitulado por uma frase presente em cada um deles, dando uma ideia de sequencialidade que constrói um tom cada vez mais lúgubre no decorrer do longa. Os atos de algumas das grandes cenas mostram a força feminina do elenco, que muitas vezes levam os homens da trama para papéis secundários em meio a disputas e artimanhas dos jogos de poder, seja por meios emocionais, apelos sensuais ou atos violentos.
É interessante observar que a Guerra da Sucessão Espanhola entre Inglaterra e França travada no decorrer do filme é tratada pelas personagens como nada mais do que um pretexto para que as mesmas obtenham mais influência e aproveitem-se das oportunidades que esse contexto proporciona: nenhuma delas se envolve na questão de modo consciente, apesar do marido da própria Lady Sarah estar no front da batalha. Ao invés disso, festas exóticas, apostas em corridas de patos pelo palácio e jogos bizarros entre nobres ocupam o dia a dia da elite da época, desprendendo-os da dura realidade pela qual a população passa.

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O diretor Yorgos Lanthimos conversando com a atriz Emma Stone

O desenvolvimento da personagem Abigail na obra é notável: filha de nobres, ela vê sua fortuna ruir ainda criança por culpa de seu pai, viciado em jogos de azar. Como se isso não fosse suficiente, ele ainda a perde em um jogo de cartas quando a mesma tinha apenas 12 anos de idade. Anos mais tarde, ao chegar ao palácio em busca de sua prima, Lady Sarah, Abigail busca uma oportunidade de trabalho de modo altivo e, aos poucos, vai galgando sua ascensão social dando atenção a cada pequena oportunidade que aparece. Apesar disso, fica claro que ela carrega um estigma: o abuso sexual que sofrera quando criança. Isso fica ainda mais evidente ao observarmos algumas de suas passagens, desde as investidas mais violentas de seu par romântico no bosque até relatos de sua experiência ao com o velho alemão que a ganhara no jogo de cartas. Essas passagens evidenciam que o trauma continua acompanhando a personagem, mesmo quando seus planos são bem sucedidos e seus objetivos, alcançados.

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A trajetória da personagem Abigail Masham é impressionante no decorrer do longa

O diretor do filme, responsável por longas como Dente Canino (2007), O Lagosta (2015) e O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017), trabalha pela primeira vez sem seu habitual corroteirista Efhymis Filippou, tendo na produção para A Favorita Deborah Davis e Tony McNamara assinando como roteiristas. O longa produzido pela Fox Searchlight é um projeto que teve início a quase 9 anos atrás, e apesar da fidelização nos figurinos e algumas passagens, o diretor admitiu ter tomado algumas liberdades históricas a fim de tornar o enredo mais conciso e vinculado a sua visão do filme.
A Favorita é um drama de época voraz ao trazer protagonistas fortes e relevantes em uma história cercada por jogos de poder, sedução, traumas do passado e desarranjos emocionais.
As relações são construídas cuidadosamente, tornando os jogos de palavras cada vez mais ardis no decorrer da trama, e ressaltando em passagens de pura melancolia e vazio existencial já no terceiro ato, além de evidenciar o não comprometimento das pessoas da corte (especialmente da rainha Anne) ao contexto social em que o país está inserido. A cena final traz um plano sinestésico certeiro ao condensar as emoções e frustrações apresentados por suas personagens de modo impactante a fim de mostrar o desenvolvimento (ou não) das mesmas.

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