Zeynep Tufekci explica o real motivo pelo qual você pode ter odiado o final de Game of Thrones

Segundo a acadêmica, o problema é que a história passou de uma narrativa sociológica pra um viés psicológico bem hollywoodiano.

Considerada por muitos tuiteiros como a última experiência coletiva de entretenimento, Game of Thrones exibiu o seu episódio final no último domingo, 19 de maio. O fechamento da história, no entanto, deixou muitos fãs absolutamente decepcionados.

Aliás, não foi apenas o último episódio que causou essa impressão: a série, que desafiou o interesse das pessoas ao acabar com personagens principais logo na primeira temporada, parecia ter, de repente, perdido parte do encanto que convenceu mais de 17 milhões de pessoas a ligarem seus televisores e toda sorte de aparelho de streaming (e, por que não, de vídeos piratas) para acompanhar a “perna final” da narrativa baseada nos livros de George R. R. Martin.

A decepção, no entanto, talvez não tenha tido nada a ver com o desfecho da história, explica Zeynep Tufekci, professora da Universidade da Carolina do Norte, em artigo para a Scientific American, mas sim como a mudança no formato de narrativa.

O estilo do storytelling passou de sociológico para psicológico

Zeynep Tufekci, em artigo para a Scientific American

Tufekci lembra que, enquanto esteve alinhada com os livros de Martin, a série se destacava por ser uma narrativa “sociológica e institucional, em um ambiente [hollywoodiano] dominado pelo [modelo] psicológico e individual”. Ela especula que provavelmente o final seria o mesmo, mas a forma de contar não puxaria elementos tão ligados aos personagens em si, mas às instituições e pressões sociais que levam os personagens a tomarem tais decisões.

Nas narrativas sociológicas, os personagens têm histórias pessoais e influência, claro, mas estas são fortemente definidas pelas instituições e eventos ao seu redor. Os incentivos para o comportamento dos personagens vem, de forma bastante clara, também por conta dessas forças externas, que até mesmo influenciam fortemente suas decisões internas

Ou seja, para a autora, o que causou a repulsa dos fãs não foi tanto o desfecho, mas a mudança de direção da narrativa – o que ficou claro com, veja só, a ausência de uma matança generalizada de personagens principais nos primeiros episódios da Temporada 8. “Foi o primeiro indicador da nova direção do storytelling dos roteiristas, que passaram a dar mais peso às histórias individuais, abandonando a narrativa sociológica”, explica Tufekci.

Ela ainda avança para dizer que a mudança acaba sendo um desserviço também para o nosso momento histórico, pois esse tipo de narrativa torna complicada a compreensão e a reação à mudanças sociais, o que nos faz buscar um vilão, ao invés de prestar atenção no contexto.

É isso que ela vê acontecendo, por exemplo, quando pensamos no impacto da tecnologia digital e da inteligência de máquinas.

Existem diversas histórias, livros, narrativas e perfis jornalísticos que focam nas personalidades de personagens importantes como Mark Zuckerberg, Sheryl Sandberg, Jack Dorsey e Jeff Bezos. É claro, as personalidades importam, mas apenas dentro do contexto dos modelos de negócio, avanços tecnológicos, ambientes políticos, (falta de) regulamentações significativas, forças políticas e econômicas que incentivam a desigualdade econômica e a falta de responsabilização de atores importantes, dinâmicas geopolíticas, características da sociedade, entre outros

Zeynep Tufekci

Vale conferir o artigo na íntegra (disponível em inglês), o que pode ajudar a dar um maior contexto sobre a irritação dos fãs e sobre a nossa tendência a buscar um vilão simples para os complexos problemas da sociedade atual. Me fez lembrar o bordão de uma amiga querida, a Marcella Rosa: se fosse fácil, era exatas.

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