Jogos Olímpicos de se dar mal

Nessa suposta disputa, ganha quem está mais frustrado ou será que perdemos todos?

Começa assim: você está lá, comentando um assunto qualquer. De repente, ele surge no papo. No minuto seguinte, já não estamos mais falando de você. Está no ar o Campeonato Mundial de se dar mal, o Grand Prix de quem se ferrou mais. Bem-vindo aos Jogos Olímpicos de quem está na pior.

“Você ficou até tarde no trabalho? E eu, que saí depois da meia-noite? Você está precisando de férias? E eu, que tô há três anos sem saber o que é isso? Ah, você está há quatro anos sem férias? E eu, que nunca tirei férias no trabalho. Eu disse no trabalho? Eu não tiro férias desde o jardim de infância”.

É o melhor do mundo em estar pior do que você. Como se se dar mal fosse um feito para se vangloriar, como se estar ferrado fosse uma frase legal de um livro que a gente sai repetindo por aí, como se estar cansado fosse um desses skills que a gente coloca no currículo. Mas, afinal, nessa suposta disputa, ganha quem está mais frustrado ou será que perdemos todos?

Não, não acho que isso seja exclusividade de uma pessoa específica. Em algum momento da carreira, todos nós corremos o risco cair nesse jogo. Na tentativa de valorizar o próprio trabalho, nos perdemos na comparação. Na ânsia de ter o esforço reconhecido, forçamos a barra nos créditos. Um exagero infeliz, que vem acompanhado de registros de “valoraize”: a fotinho da pizza do jantar no trabalho, o post marcando a localização do escritório no final de semana, a mensagem sobre um projeto no domingo. Quem nunca?

À primeira vista, todos esses elementos podem soar como uma maneira de mostrar serviço, de ser aprovado. Mas todo excesso costuma apontar uma falta. Por isso, vou um pouco mais fundo na questão: quem será o verdadeiro destinatário dos stories da madrugada? Será que o post não é um direct com um alerta pra você mesmo?

Tenho a sensação de que quando existe uma necessidade muito grande de colocar o “eu” nos assuntos, é porque esse “eu” tem ficado de fora nas ações. De alguma maneira, é um jeito de se fazer prioridade, mesmo que seja apenas na fala.

Longe do que talvez possa sugerir, esse texto não é uma apologia ao descaso com o trabalho, mas um questionamento sobre o bom senso. Será que ir pra casa mais cedo (leia-se no horário) faz uma pessoa ser preguiçosa? Não postar nada diminui o empenho no trabalho? Querer ter vida pode ser considerado falta de comprometimento? E a pergunta final: o quanto a gente não tem usado a régua dos outros para medir o que a gente considera como sucesso? São reflexões que faço para mim mesmo.

Nessa Olimpíada, onde o único resultado possível me parece ser a frustração, melhor não subir no pódio, melhor manter distância da linha de chegada. De fininho, como quem não quer nada, vou saindo do assunto. Não vale a pena entrar em uma competição em que a medalha de ouro vale tanto quanto chegar na última posição: absolutamente nada. As melhores vitórias são conquistadas no silêncio da observação.

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